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Os Fundamentos do Arrependimento – A.A. Hodge (1823-1886)

Um genuíno senso do pecado. A iluminação espiritual e a renovação das inclinações que são afetadas na regeneração levam o crente a perceber e apreciar a santidade de Deus como revelada igualmente na lei e no evangelho (Rm 3.20; Jó 43.5,6); e nessa luz ver e sentir a excessiva gravidade de todo pecado e a absoluta pecaminosidade de sua própria natureza e conduta. Esse sentido de pecado corresponde precisamente aos fatos reais do caso, e o homem se apercebe de quão justo é Deus, como sempre o foi. Arrependimento inclui —Consciência de culpa; isto é, expondo a punição merecida, como sendo oposta à justiça de Deus. SI 51.4,9.Consciência de corrupção, como sendo oposta à santida¬de de Deus. SI 51.5,7,10. Consciência de desamparo. SI 51.11; 114.21,22. As bases do arrependimento são — A luminosa apreensão da misericórdia de Deus em Cristo. Isso se faz necessário para o genuíno arrependimento — Porque a consciência debilitada ecoa a lei de Deus e não pode ser apaziguada por nenhuma outra propiciação senão por aquela exigida pela própria justiça divina; e até que isso seja feito numa confiante aplicação dos méritos de Cristo, ou a indiferença entorpecerá ou o remorso atormentará sua alma. Porque fora de Cristo Deus é “fogo consumidor”, e o medo inextinguível de sua ira repele a alma. Dt 4.24; Hb 12.29. 0 senso da espantosa bondade de Deus, aos nossos olhos, na dádiva de seu Filho, e de nossa ingrata retribuição a ela, é o mais poderoso meio de conduzir a alma ao genuíno arrependimento do pecado quando cometido contra Deus. SI 51.4. Isso se pode provar pelos exemplos de arrependimento re listrados na Escritura (SI 51.1; 130.4) e pela experiência universal dos cristãos nos tempos atuais. Quanto à sua essência, o genuíno arrependimento consiste Numa sincera aversão ao pecado e no pesar pelo nosso pecado pessoal (SI 119.128,136). O pecado é visto como sendo excessivamente grave à luz da santidade divina, da lei de Deus e especialmente da cruz de Cristo. Quanto mais vemos de Deus na face de Cristo, mais nos abominamos e nos arrependemos no pó e na cinza. Jó 42.5,6; Ez 36.31. “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação.” 2 Co 7.10. “pois o que vem pela lei é o pleno conhecimento do pecado.” Rm 3.20. E, assim, “a lei se tornou nosso aio, para nos conduzir a Cristo.” Gl 3.24. A essência do arrependimento consiste —Em nossa real conversão de todo pecado para Deus. Esse é aquele retorno prático ou “conversão” do pecado para Deus, que é a instantânea e necessária conseqüência da regeneração. É um voluntário abandono do pecado como mau e odioso, com sincera tristeza, humilhação e confissão; e um retorno para Deus como nosso Pai reconciliado, no exercício da fé implícita nos méritos e assistente graça de Cristo. Isso é caracterizado pelo significado do termo grego usado pelo Espírito Santo para expressar a idéia de arrependimento – isto é, “uma mudança de mente”, incluindo, evidentemente, uma mudança de pensamento, sentimento e propósito, correspondendo ao nosso novo caráter como filhos de Deus. Se em tal atitude houver sinceridade, naturalmente seremos guiados ao elemento do arrependimento prático, isto é, Um sincero propósito de, e um perseverante esforço para, nova obediência. At 26.20. A luz dessas características, pode notar-se que arrependimento para a vida só pode ser exercido por uma alma depois e em conseqüência de sua regeneração efetuada pelo Espírito Santo. Deus regenera; e nós, no exercício da nova e graciosa capacidade assim comunicada, nos arrependemos. Arrependimento e conversão, portanto, são termos aplicados às vezes à mesma experiência graciosa. O uso bíblico dos dois termos difere em dois aspectos: — Conversão é o termo mais geral, incluindo todas as diversas experiências envolvidas no início da vida divina em nós. Ela enfatiza especialmente aquela experiência como um volver-se para Deus. Arrependimento é mais específico, dando proeminência à obra da lei na consciência, e enfatizando especialmente as experiências que tratam o novo nascimento como sendo um volver-se do pecado. Conversão é geralmente usada para designar somente as primeiras ações da nova natureza no início da vida religiosa, ou os primeiros passos de um retorno para Deus depois de uma notável recaída (Lc 22.32); enquanto que arrependimento é uma experiência diária do cristão enquanto prossegue a luta contra o pecado em seu coração e vida. SI 19.12,13; Lc 9.23; Gl 6.14; 5.24. Há um falso arrependimento experimentado antes da regeneração por aqueles que nunca são regenerados, o qual surge simplesmente das operações comuns da verdade e do Espírito na consciência natural, incitando simplesmente certo senso de culpa e corrupção, não levando nem à aversão pelo pecado nem à apreensão da misericórdia de Deus em Cristo, nem ao retorno prático do pecado para Deus. A legitimidade do genuíno arrependimento prova-se — a. Em ser ele perfeitamente conformado aos requerimentos e ensinamentos da Escritura, e b. Por seus frutos. Se é genuíno, infalivelmente emana da regeneração e guia à vida eterna. Quando assim definido, o arrependimento é, como a fé, uma graça evangélica a nós comunicada em virtude de Cristo, bem como um dever a nós imposto. O que se diz aqui do arrependimento é igualmente verdadeiro de cada experiência característica do sujeito da regeneração e da santificação. Cristo é a videira; nós somos os ramos. Somos também livres; agentes responsáveis. Cada dever cristão, portanto, é uma graça; pois sem ele não podemos fazer nada. Jo 15.5. E igualmente cada graça cristã é um dever; porque a graça nos é comunicada para ser exercida, e ela só encontra seu genuíno resultado e expressão no dever. Que ele, portanto, é um dom de Deus, é óbvio — A luz de sua natureza. Ele envolve verdadeira convicção de pecado; uma santa aversão ao pecado; fé no Senhor Jesus e sua obra, fé esta que é um dom de Deus. Gl 5.22; Ef 2.8. É diretamente afirmado na Escritura. Zc 12.10; At 5.31; 11.18; 2Tm2.25. Que deve ser diligentemente proclamado por todo ministro do evangelho é Auto-evidente à luz da natureza essencial do dever. Porque tal proclamação foi incluída na comissão que Cristo deu aos apóstolos. Lc 24.47,48. Em virtude do exemplo dos apóstolos. At 20.21.

A SUFICIÊNCIA DA ESCRITURA

Muitos cristãos alegam afirmar a suficiência da Escritura, mas seu real pensamento e
prática negam-na. A doutrina afirma que a Bíblia contém informação suficiente para
alguém, não somente para encontrar a salvação em Cristo, mas para, subseqüentemente,
receber instrução e direção em todo aspecto da vida e pensamento, seja por declarações
explícitas da Escritura, ou por inferências dela necessariamente retiradas.
A Bíblia contém tudo que é necessário para construir uma cosmovisão cristã
compreensiva que nos capacite a ter uma verdadeira visão da realidade. A Escritura
nos transmite, não somente a vontade de Deus em assuntos gerais da fé e conduta
cristãs, mas, ao aplicar preceitos bíblicos, podemos também conhecer sua vontade em
nossas decisões específicas e pessoais. Tudo que precisamos saber como cristãos é
encontrado na Bíblia, seja no âmbito familiar, do trabalho ou da igreja.
Paulo escreve que a Escritura não é somente divina na origem, mas é também
abrangente no escopo:
“Toda a Escritura é divinamente inspirada, e proveitosa para ensinar, para
redargüir, para corrigir, para instruir em justiça. Para que o homem de Deus seja
perfeito, e perfeitamente instruído para toda a boa obra” (2 Timóteo 3.16-17).
A implicação necessária é que os meios de instrução extra-bíblicos, tais como visões e
profecias, são desnecessários, embora Deus possa ainda fornecê-los, quando for de seu
agrado.
Os problemas ocorrem quando os cristãos sustentam uma posição que equivale a negar
a suficiência da Escritura em fornecer abrangente instrução e direção. Alguns se
queixam que na Bíblia falta informação específica que alguém precisa para tomar decisões pessoais; entretanto, à luz das palavras de Paulo, deve-se entender que a falta
reside nesses indivíduos, e não no fato de que a Bíblia seja insuficiente.
Aqueles que negam a suficiência da Escritura carecem da informação de que
necessitam, por causa da sua imaturidade espiritual e negligência. A Bíblia é deveras
suficiente para dirigi-los, mas negligenciam o estudo dela. Alguns também exibem forte
rebelião e impiedade. Embora a Bíblia se dirija às suas situações, recusam-se a submeter
aos seus mandamentos e instruções. Ou, eles rejeitam aceitar o próprio método de
receber direção da Escritura juntamente, e exigem que Deus os dirija através de visões,
sonhos e profecias, quando ele lhes deu tudo de que necessitam, através da Bíblia.
Quando Deus não atende às suas demandas ilegítimas por direção extra-bíblica, alguns
decidem até mesmo procurá-la através de métodos proibidos, tais como astrologia,
adivinhação e outras práticas ocultas. A rebelião deles é tal que, se Deus não fornecer a
informação desejada nos moldes prescritos por eles, ficam determinados a obtê-la do
diabo.
O conhecimento da vontade de Deus não vem de orientação extra-bíblica, mas de uma
compreensão intelectual e de uma aplicação da Escritura. 16 O apóstolo Paulo escreve:
“E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela
renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa,
agradável, e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:2).
A teologia cristã deve afirmar, sem reservas, a suficiência da Escritura como uma fonte
completa de informação, instrução e direção. A Bíblia contém toda a vontade divina,
incluindo a informação de que alguém precisa para salvação, desenvolvimento espiritual
e direção pessoal. Ela contém informação suficiente, de forma que, se alguém a obedece
completamente, estará cumprindo a vontade de Deus em cada detalhe da vida. Mas, ele
comete pecado à extensão em que falha em obedecer à Escritura. Embora nossa
obediência nunca alcance perfeição nesta vida, todavia, não há nenhuma informação
que precisemos para viver uma vida cristã perfeita, que já não esteja na Bíblia.

Soberania de Deus e a Liberdade Humana na Perspectiva Calvinista

Presb. Fábio Correia(1)

1 Introdução

Ao analisarmos a história, tanto do pensamento religioso como do pensamento filosófico, perceberemos que existe certo modelo cíclico na abordagem de grandes temas da humanidade e não uma linearidade absoluta, que preconizaria a existência de temas totalmente novos e de número praticamente incontável. Mas, certamente, não é isso que ocorre. As mesmas questões são objeto de investigação nas mais variadas culturas e gerações. Essa recorrência acaba estabelecendo um número extremamente limitado do que podemos chamar de “os grandes problemas da humanidade”.

Segundo Wright, fazem parte dessa lista:

A relação da unidade do mundo com a diversidade de nossa experiência individual, como podemos estar certos do conhecimento que temos, se há Deus ou não, a natureza da “substância” de que o mundo é feito e como devemos navegar nas questões éticas (WRIGHT, 1998, p.19).

Kayper trata esse assunto de forma ainda mais sintética e apresenta a seguinte lista: “Nossa relação com Deus, nossa relação com o homem e nossa relação com o mundo” (KUYPER, 2002. p, 28).

Todas as outras discussões são derivadas, direta ou indiretamente, dessas grandes abordagens. Um dos mais persistentes desses problemas e que tem ocupado a mente dos mais importantes pensadores, é o que trata sobre a liberdade das ações humanas em contrapartida com a causalidade.

É nossa vontade realmente livre de causas e influências, ou são todas as nossas ações “predeterminadas” de algum modo?

Na filosofia, o debate reaparece no binômio paradoxal entre autonomia versus determinismo. A máxima da antropologia socrática: “conhece-te a ti mesmo”, apresenta uma consciência humana autônoma, de forma que o caminho da verdade suprema deve ser encontrado “dentro” do próprio homem. Coube a Nietzsche, entretanto, a libertação absoluta de toda e qualquer forma de transcendência. O criador do “super-homem” chega a “matar”  Deus  em busca do diploma da liberdade absoluta,  para outorgá-lo ao homem:

Eu vos apresento o Super-homem! O Super-homem é o sentido da terra. Diga a vossa vontade: seja o Super-homem, o sentido da terra. Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar em que vos fala de esperanças supraterrestres. São envenenadores, quer o saibam ou não. Não dão o menor valor à vida, moribundos que estão, por sua vez envenenados, seres de que a terra se encontra fatigada; vão se por uma vez! (NIETZSCHE, 1994, p.30).

E ainda:

Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós!  Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste acto não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu acto mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda história até hoje! (NIETZSCHE. Fredrich. A Gaia Ciência, §125).

A ciência(2), por sua vez, toma emprestado, da filosofia, o termo determinismo e o transforma na principal base do conhecimento científico da natureza, para afirmar a existência de relações fixas e necessárias entre os seres e os fenômenos naturais, isto é, o que acontece não poderia deixar de acontecer porque são conseqüências de causas anteriores.

Nosso maior enfoque, porém, neste ensaio, será teológico. O problema é tratado, primordialmente, entre as culturas religiosas, como sendo a relação entre a vontade humana e a soberania divina, ou ainda, mais especificamente, como a relação entre livre-arbítrio e predestinação ou predeterminação.

Não é raro encontrarmos posturas extremadas, ora beneficiando a total soberania divina e a negação total da liberdade humana, o que faria de Deus o autor do pecado e do mal ora evidenciando a total liberdade humana, o que não só nega a soberania de Deus como o reduz a um mero “registrador” da vontade do homem.

Um dos principais exemplos da negação total da vontade humana pode ser encontrado no Hinduísmo. Considerada a mais velha religião ainda existente no mundo, tem no conceito de estratificação social das casta(3) o exemplo máximo da aceitação do condicionamento, por fatores externos, da vida. Um indivíduo que nasce em uma determinada casta, julgada inferior, jamais pode ascender para uma casta superior, e, isso, determinará todo o seu futuro.

Os mulçumanos(4) também figuram entre os principais exemplos de negação da vontade humana. Para eles, não há espaço para a atuação “livre” do homem, uma vez que professam um determinismo absoluto, que não deixa lugar no mundo para as verdadeiras relações de causa e efeito, já que todas as ações, boas e más, foram “criadas” pelo insondável decreto de Alá.

Não podemos deixar de citar aqui também, entre aqueles que negam completamente qualquer tipo de liberdade humana, o hipercalvinismo(5).

Em contrapartida à negação total da liberdade do homem, temos o outro extremo: as tendências religiosas que intensificam o livre-arbítrio de tal forma que chegam a ofuscar a soberania de Deus, como o pelagianismo romano e, principalmente, o arminianismo da maioria das igrejas evangélicas pós-reforma protestante. Nesse sentido, Wright denuncia a “manipulação genética” que essas igrejas estão fazendo em Deus, retirando-lhe atributos que são próprios e exclusivos de sua natureza divina, simplesmente para “acomodar a suposição da autonomia humana” (WRIGHT, 1998, p.14).

Como pudemos perceber acima, a busca cíclica do homem por novas respostas a antigos problemas – ora beneficiando a liberdade do homem ora excluindo-a por completo, em nome da soberania divina, tende a continuar. O homem só se fixará  em um sistema de resposta convincente quando entender, como afirma A.W.Pink, em seu famoso livro “Deus é Soberano”, que as duas sentenças são verdadeiras, em certo sentido: O homem é livre e responsável pelos seus atos e, ao mesmo tempo, Deus é Soberano.

O Calvinismo é esse poderoso sistema, não somente teológico, mas de vida. Hermeticamente fechado, atende aos interesses mais profundos da humanidade, tanto da alma quanto da racionalidade. O Calvinismo reconhece Deus como Deus, soberano, acima de tudo e de todos; ao mesmo tempo em que entende o homem, na sua situação pré-queda, como livre e pós-queda, como uma criatura decaída. O Calvinismo entende o homem e o próprio Deus, pelo prisma das Sagradas Escrituras; ao mesmo tempo que se distancia do misticismo, abrindo, com isso, uma importante janela para o desenvolvimento e a racionalidade, aproxima-se, de forma profunda e coerente, com a antropologia e teologia da revelação escrita.

Kuyper, comentando sobre o sistema de vida calvinista, faz a seguinte afirmação:

Não há dúvida, então, de que o Cristianismo está exposto a grandes e sérios perigos. Dois sistemas de vida estão em combate mortal. O Modernismo está comprometido em construir um mundo próprio a partir de elementos do homem natural, e a construir o próprio homem a partir de elementos da natureza; enquanto que, por outro lado, todos aqueles que reverentemente humilham-se diante de Cristo e o adoram como o Filho do Deus vivo, e o próprio Deus, estão resolvidos a salvar a “herança cristã”. Esta é a luta na Europa, esta é a luta na América, e esta também é a luta por princípios em que meu próprio país está engajado, e na qual eu mesmo tenho gasto todas as minhas energias por quase quarenta anos.Nessa luta apologética não temos avançado um único passo. Os apologistas invariavelmente começam abandonando a defesa assaltada, a fim de entrincheirarem-se covardemente um revelim atrás deles. Desde o início, portanto, tenho sempre dito a mim mesmo, -“Se o combate deve ser travado com honra e com esperança de vitória, então, princípio deve ser ordenado contra princípio. A seguir, deve ser sentido que no Modernismo, a imensa energia de um abrangente sistema de vida nos ataca; depois também, deve ser entendido que temos de assumir nossa posição em um sistema de vida de poder, igualmente abrangente e extenso. E este poderoso sistema de vida não deve ser inventado nem formulado por nós mesmos, mas deve ser tomado e aplicado como se apresenta na História. Quando assim fiz, encontrei e confessei, e ainda sustento, que esta manifestação do princípio cristão nos é dada no Calvinismo (KUYPER, 2002, p.19).

Certamente uma análise cuidadosa dos princípios calvinistas acerca da Soberania de Deus e da liberdade humana trará grande luz, capaz de iluminar os recantos mais obscuros desse antigo problema da humanidade.

 

2 Soberania que cria liberdade

O famoso filme do diretor Stevan Spilberg, “inteligência artificial”, aborda a idéia de um robô criado para ter uma relação de perfeição com seu “dono”. Programado para ter um amor incondicional, o menino-robô surge como um ser “absolutamente perfeito”; criado para fazer tão somente aquilo que agrada aos seus compradores/familiares.

Baseados na idéia do filme, levantamos a seguinte questão: acaso Deus não poderia ter criado o homem com tal nível de programação a ponto de ter como “único” desejo  o serviço a seu criador, da maneira como este estabelecesse, previamente, em sua própria programação? É claro que sim.

O fato é que aprouve a Deus, em Sua soberania, diferentemente de Spilberg, criar não somente o homem, mas criar também sua própria liberdade e autonomia. Aprouve a Deus criar o homem livre.

Essa liberdade, porém, outorgada por Deus ao homem, precisa, à luz do calvinismo, ser entendida dentro do contexto histórico-temporal de “antes-queda” e “pós-queda”.  Diferentemente da visão pelagiana/arminiana, para o calvinismo a inserção do pecado, via “escolha-livre-do-homem”, que resolveu, pelo seu próprio arbítrio e vontade, transgredir as expressas ordens do seu criador (direito concedido por Ele mesmo), trouxe para si mesmo uma drástica mudança em sua natureza. Mesmo tendo sido solenemente alertado sobre essa conseqüência, pelo seu criador, “decidiu”, sozinho, ser agente ativo e consciente dessa mudança.

2.1 Liberdade que decide não ter liberdade

2.1.1. Situação Pré-queda do homem

Agostinho costuma dizer que a antropologia bíblica poderia ser dividida em três fazes. Na primeira delas, antes da queda, “o homem podia não pecar”. É seguindo esses mesmos passos que o calvinismo entende a situação de liberdade do homem, antes da queda.

Passaremos a analisar os principais documentos calvinistas que tratam da criação da liberdade do homem.

A confissão de Fé de Westminster, formulada no século XVII por cerca de 121 teólogos calvinistas, faz a seguinte afirmação, no capítulo que trata sobre a criação:

Depois de haver feito as outras criaturas, Deus criou o homem, macho e fêmea, com almas racionais e imortais, e dotou-as de inteligência, retidão e perfeita santidade, segundo a sua própria imagem, tendo a lei de Deus escrita em seus corações, e o poder de cumpri-la, mas com a possibilidade de transgredi-la, sendo deixados à liberdade da sua própria vontade, que era mutável (WESTMINSTER, 1999, IV.II).

Um importante teólogo calvinista comentando sobre o que possibilitou que Adão e Eva pecassem apresenta o seguinte motivo:

Deus os deixou à liberdade da sua própria vontade, em vez de usar da sua onipotência para impedi-los de pecar. Por ser onipotente, Deus com certeza poderia ter impedido a raça humana de cair em pecado. Mas em Sua sabedoria não escolheu impedir a queda. Como Deus conteve a Sua onipotência e deixou Adão e Eva à própria vontade deles, foi-lhes plenamente possível optarem por cometer o pecado (GEERBARDUS, 2007, p.87).

Um importante teólogo calvinista comentando sobre o que possibilitou que Adão e Eva pecassem apresenta o seguinte motivo:

Deus os deixou à liberdade da sua própria vontade, em vez de usar da sua onipotência para impedi-los de pecar. Por ser onipotente, Deus com certeza poderia ter impedido a raça humana de cair em pecado. Mas em Sua sabedoria não escolheu impedir a queda. Como Deus conteve a Sua onipotência e deixou Adão e Eva à própria vontade deles, foi-lhes plenamente possível optarem por cometer o pecado (GEERBARDUS, 2007, p.87).

Ainda sobre  a criação da liberdade do homem:

O homem é a única das criaturas dentre as que Deus criou que é consciente de si mesma. Deus  fez o homem à sua imagem mental e moral. O Dr.Albertus Pieters diz: “isso compreende o poder autoconsciente de raciocinar, a capacidade da autodeterminação e o senso moral. Em outras palavras, ser uma criatura que pode dizer “Eu sou”, eu devo, eu irei” – isso é o que significa ser feito à imagem de Deus (VAN HORN, 2000, p.25).

Outro importante teólogo calvinista, o holandês Berkhof, ainda comentando sobre a criação da liberdade, afirma:

Sua condição era preliminar e temporária, podendo levar a maior perfeição e glória ou acabar numa queda. Foi por natureza dotado daquela justiça original que é a glória máxima da imagem de Deus e, consequentemente, vivia num estado de santidade positiva. A perda daquela justiça significaria a perda de uma coisa que pertencia à própria natureza do homem em seu estado ideal. O homem podia perdê-la e ainda continuar sendo homem, mas podia não perdê-la e continuar sendo o homem no sentido ideal da palavra (BERKHOF, 1990, p.209).

Cremos que já ficou claro o suficiente que o calvinismo entende que o homem, em seu estado natural, possuía o que costumeiramente é chamado de livre-arbítrio. No entanto, não podemos encerrar essa cessão sem antes verificarmos o capítulo da Confissão de Westminster que trata especificamente sobre a criação da liberdade ou do livre-arbítrio do homem:

Deus dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua natureza. Tiago 1:14; Deut. 30:19; João 5:40; Mat. 17:12; At.7:51; Tiago 4:7. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder. Ec. 7:29; Col. 3: 10; Gen. 1:26 e 2:16-17 e 3:6 (WESTMINSTER, 1999, IX. I, II).

 

2.1.2 Situação Pós-queda do homem

Precisamente neste ponto começam as divergências sobre a antropologia Bíblica. Que o homem (em sua situação pré-queda) era livre em seu arbítrio, agostinianos e pelagianos, calvinistas e arminianos, andam juntos. A bifurcação teológica, entretanto, perpassa pelas conseqüências dessa “escolha consciente” em não obedecer e não levar em conta as ameaças solenes de Deus.

Para Pelágio essas conseqüências foram graves mas, apesar disso, ela não afetou a “natureza do homem”. Para ele, “a liberdade é o bem supremo, a honra e a glória do homem, o bonum naturae, que não pode ser perdido […]. Essa habilidade é dada ao homem por Deus na criação, e é um aspecto essencial da natureza constitutiva do homem” (SPROUL, 2001, p.32). Ele acreditava que a natureza do homem continuou sendo livre e boa, da mesma forma como foi integralmente criada.

Armínius, não concordava com Pelágio, relativamente às conseqüências da queda para a natureza do homem e entendia, em certo sentido, ser necessário o auxílio da graça divina para o homem voltar a obedecer. No entanto, em sua opinião, essa graça não é um fim em si mesma e que a regeneração é gradativa e não instantânea, depende, inclusive, da santificação enquanto processo. “Ele declara que esta obra da regeneração e iluminação não é completada num momento; mas […] é elevada e promovida de tempos em tempos, pelo crescimento diário” (SPROUL, 2001, p141).

Em última instância e para finalizar aqui essa exposição da antítese do calvinismo, Armínius acreditava que, de alguma forma, havia restado, mesmo depois da queda, algum tipo de liberdade no homem; uma porção de livre-arbítrio o que, indiscutivelmente, o aproxima de Pelágio, conforme demonstra Sproul, citando Armínius:

Todas as pessoas não-regeneradas tem liberdade de vontade e uma capacidade para resistir ao Espírito Santo, para rejeitar a oferta da graça de Deus, para rejeitar a oferta da graça de Deus, para desprezar o evangelho e para não abrir àquele que bate à porta do coração; e essas coisas eles realmente podem fazer sem qualquer diferença entre o eleito e o répobro (SPROUL, 2001, p.143).

Diferentemente de Pelágio e Armínius a visão calvinista entende que, com a queda, o homem torna-se “totalmente depravado” em todas as suas instâncias e assim como Agostinho, nessa nova realidade o homem “não pode não pecar”.

Sobre os efeitos da queda, afirma a Confissão de Fé de Westminster:

Por este pecado eles decaíram da sua retidão original e da comunhão com Deus, e assim se tornaram mortos em pecado e inteiramente corrompidos em todas as suas faculdades e partes do corpo e da alma. Gen. 3:6-8; Rom. 3:23; Gen. 2:17; Ef. 2:1-3; Rom. 5:12; Gen. 6:5; Jer. 17:9; Tito 1:15; Rom.3:10-18. IV. Desta corrupção original pela qual ficamos totalmente indispostos, adversos a todo o bem e inteiramente inclinados a todo o mal, é que procedem todas as transgressões atuais. Rom. 5:6, 7:18 e 5:7; Col. 1:21; Gen. 6:5 e 8:21; Rom. 3:10-12; Tiago 1:14-15; Ef. 2:2-3; Mat. 15-19 (WESTMINSTER, 1999, VI.II).

O mesmo documento ainda expõe de forma clara que o homem, que antes era detentor do “livre-arbítrio”, com a queda perde-o inteira e totalmente, nada restando.

O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso. Rom. 5:6 e 8:7-8; João 15:5; Rom. 3:9-10, 12, 23; Ef.2:1, 5; Col. 2:13; João 6:44, 65; I Cor. 2:14; Tito 3:3-5. (WESTMINSTER, 1999, IX.III).

E ainda:

Todo o pecado, tanto o original como o atual, sendo transgressão da justa lei de Deus e a ela contrária, torna, pela sua própria natureza, culpado o pecador e por essa culpa está ele sujeito à ira de Deus e à maldição da lei e, portanto, exposto à morte, com todas as misérias espirituais, temporais e eternas. I João 3:4; Rom. 2: 15; Rom. 3:9, 19; Ef. 2:3; Gal. 3:10; Rom. 6:23; Ef. 6:18; Lam, 3:39; Mat. 25:41; II Tess. 1:9 (WESTMINSTER,  1999, VI.VI).

Os Cânones de Dort, outro documento  calvinista, elaborado em 1618 em contra-argumentação ao documento apresentado pelos seguidores de Armínius em 1609, na Holanda, que ficou conhecido como “Remonstrance”, faz a seguinte afirmação acerca da situação pós-queda do homem:

Sua vontade e seu coração eram retos, todos os seus afetos puros […]. Mas, desviando-se de Deus […] Pela sua própria livre vontade, ele se privou destes dons excelentes. Em lugar disso trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis, leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em sua vontade e seu coração; também impureza em todos os seus afetos (DORT, 1996, III.I).

Lutero também subscrevia integralmente o pensamento de Calvino quanto à situação pós-queda. Em sua obra “Nascido Escravo”, um famoso debate com Erasmo de Roterdan, faz a seguinte afirmação:

Erasmo […] você assevera que o “livre-arbítrio” é a capacidade que a vontade humana tem, por si mesma, de decidir […]. Os pelagianos também fizeram isso. Mas você os ultrapassa! […]. Prefiro até mesmo o ensinamento de alguns dos antigos filósofos aos seus. Eles diziam que um homem entregue a si mesmo só faria o errado. O homem só poderia escolher o bom com a ajuda da graça divina. Eles diziam que os homens são livres para decair, mas que precisam de ajuda para elevarem-se! Porém, é motivo de riso chamar a isso de “livre-arbítrio”. Com base em tais conceitos, eu poderia afirmar que uma pedra tem “livre-arbítrio”, pois só pode cair, a menos que seja erguida por alguém! O ensino daqueles filósofos, põem, ainda é melhor do que o seu. A sua pedra, Erasmo, pode escolher se sobe ou desce! (LUTERO, 1988, p.41).

O Catecismo Maior de Westminster dá a seguinte resposta à pergunta de n° 23: Em que estado a queda deixou a humanidade?: “A humanidade por causa da queda foi deixada em estado de pecado e de miséria” (CATECISMO MAIOR, 2007. 23).

Comentando sobre os resultados imediatos da queda e a situação em que ficou o homem, Berkhof  faz a seguinte afirmação:

O concomitante imediato do primeiro pecado e, portanto, dificilmente um resultado dele no sentido estrito da palavra, foi a depravação total da natureza humana. C contágio do seu pecado espalhou-se imediatamente pelo homem todo, não ficando sem ser tocada nenhuma parte da natureza, mas contaminando todos os poderes e faculdades do corpo e da alma […]. Esta mudança da condição real do homem refletiu-se também em sua consciência […]. Não somente a morte espiritual, mas também a morte física resultou do primeiro pecado do homem (BERKHOF, 1990.p.227).

2.1.2.1 A decisão que afeta a posteridade

Os principais documentos calvinistas reconhecem que, em Adão, toda a sua descendência pereceu e que as mesmas conseqüências advindas sobre Adão passaram também, numa espécie de “transmissão hereditária”, para sua descendência:  “Sendo eles o tronco de toda a humanidade, o delito dos seus pecados foi imputado a seus filhos; e a mesma morte em pecado, bem como a sua natureza corrompida, foram transmitidas a toda a sua posteridade, que deles procede por geração ordinária”. At. 17:26; Gen. 2:17; Rom. 5:17, 15-19; I Cor. 15:21-22,45, 49; Sal.51:5; Gen.5:3; João3:6  (WESTMISNTER, 1999, VI.III).

Os Cânones de Dort afirmam o seguinte, sobre esse assunto:

Depois da queda, o homem corrompido gerou filhos corrompidos. Então a corrupção, de acordo com o justo julgamento de Deus, passou de Adão até todos os seus descendentes, com exceção de Cristo somente. Não passou por imitação, como os antigos pelagianos afirmavam, mas por procriação da natureza corrompida.  Portanto, todos os homens são concebidos em pecado e nascem como filhos da ira, incapazes de qualquer ação que o salve, inclinados para o mal, mortos em pecados e escravos do pecado. Sem a graça do Espírito Santo regenerador nem desejam nem tampouco podem retornar a Deus, corrigir suas naturezas corrompidas ou ao menos estar dispostos para esta correção. (DORT, 1996, III.II, III).

O Breve Catecismo de Westminster responde da seguinte forma à pergunta 16: Todo o gênero caiu pela transgressão de Adão? “Visto que o pacto foi feito com Adão, não só para ele, mas também para a sua posteridade, todo gênero humano, que procede por geração ordinária, pecou nele e caiu com ele na sua primeira transgressão” (BREVE CATECISMO, 2000. 16).

 

3 A soberania que resgata a liberdade

Como vimos, os principais representantes da doutrina calvinista são unânimes em afirmar a situação do homem pós-queda como uma situação de morte espiritual e total depravação de todo o seu ser.

A expulsão do homem do paraíso, registrada em Gêneses, como uma das conseqüências de seu pecado, tem sido entendida “simplesmente” como um ato punitivo de Deus e de fato foi; mas não só. Esse ato pode ser entendido também como uma providência benevolente de Deus para que o homem, agora decaído, não permanecesse eternamente nessa situação. Nesse sentido, o Breve Catecismo de Westminster responde da seguinte forma à indagação n° 20: Deixou Deus todo gênero humano perecer no estado de pecado e miséria?: “Tendo Deus, unicamente pela sua boa vontade, desde toda a eternidade escolhido alguns para a vida eterna, entrou com eles em um pacto de graça, para livrá-los do estado de pecado e miséria e os levar a um estado de salvação por meio de um redentor” (BREVE CATECISMO, 2000. 20).

Geerbardus, teólogo calvinista, comentando sobre essa questão faz a seguinte afirmação:

Deus salva os seus eleitos tão somente por causa de seu amor e misericórdia. Isso é, nada obriga Deus salvar nenhuma parte da raça humana, mas Ele, na verdade, por causa do Seu amor e misericórdia, desejou e planejou a salvação de alguns deles […]. E não há parcialidade nem injustiça nisso, pois Deus não deve a salvação a ninguém. Todos pecaram contra ele, perderam todo o direito e Ele nada deve a ninguém senão condenação (GEERBARDUS, 2007. p.110).

Na visão calvinista, para essa situação pós-queda em que o homem se meteu, só há uma esperança de reversão desse tenebroso quadro: uma intervenção externa e soberana que só Deus pode realizar, dando-lhe vida novamente, tirando-lhe do estado de miséria e morte espiritual, devolvendo a vida e com ela a liberdade:

Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o santo conselho e beneplácito da sua vontade, Deus antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu de sua mera e livre graça e amor, e não por previsão de fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse, como condição ou causa. Ref. Ef. 1:4, 9, 11; Rom. 8:30; II Tim. 1:9; I Tess, 5:9; Rom. 9:11-16; Ef. 1: 19: e 2:8-9 (WESTMINSTER, 1999, III, V).

E ainda:

Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, é ele servido, no tempo por ele determinado e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto ele o faz, iluminando os seus entendimentos espiritualmente a fim de compreenderem as coisas de Deus para a salvação, tirando-lhes os seus corações de pedra e dando lhes corações de carne, renovando as suas vontades e determinando-as pela sua onipotência para aquilo que é bom e atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo, mas de maneira que eles vêm mui livremente, sendo para isso dispostos pela sua graça. Ref. João 15:16; At. 13:48; Rom. 8:28-30 e 11:7; Ef. 1:5,10; I Tess. 5:9; 11 Tess. 2:13-14; IICor.3:3,6; Tiago 1:18; I Cor. 2:12; Rom. 5:2; II Tim. 1:9-10; At. 26:18; I Cor. 2:10, 12: Ef. 1:17-18; II Cor. 4:6; Ezeq. 36:26, e 11:19; Deut. 30:6; João 3:5; Gal. 6:15; Tito 3:5; I Ped. 1:23; João 6:44-45; Sal. 90;3; João 9:3; João6:37; Mat. 11:28; Apoc. 22:17 (WESTMINSTER, 1999, X,I).

Para maiores esclarecimentos sobre esse tópico recomendamos uma análise mais detalhada sobre o segundo e terceiro pontos da sistematização doutrinária do calvinismo: Eleição Incondicional e Expiação Limitada, respectivamente, o que não faremos aqui por motivo de delimitação dessa abordagem.

3.1 A mudança no conceito de liberdade em benefício do homem

Diferentemente da liberdade que dispunha o homem, antes da queda – não tendia nem para o bem nem para o mal -, de forma que essa liberdade não sofria nenhuma pressão de natureza, a liberdade que Deus devolve, tão somente aos eleitos, é uma liberdade segundo sua nova natureza.

Agostinho resumia essa terceira fase de sua antropologia dizendo que após a operação da graça de Deus que Re-vivifica o homem, tirando-o do estado de perdição para o estado de salvação, “o homem não pode pecar”.

Interessante notarmos que no capítulo que trata sobre o livre-arbítrio, a Confissão de Fé de Westminster descreve um novo tipo de liberdade: uma liberdade que conduz o homem, devido à nova semente de vida plantada no seu coração, pelo próprio Deus, a decidir e a querer apenas o bem e às coisas que o conduz cada vez mais próximo de Deus. Contudo, isso não deve ser traduzido como uma “nova escravidão da vontade” e sim como uma Re-criação de uma vontade que agora se coaduna com a sua nova natureza. Essa vontade, no entanto, ainda está condicionada pelas contingências desse mundo, de forma que pode em algum momento variar para o que é mau, mas não de forma “natural” e essencial. Essa espécie de “vontade livre para o bem”, que denota também uma espécie de “homem ideal”, ocorrerá definitivamente tão somente nos céus – habitação final e eterna dos eleitos – mas, ocorrerá. Vejamos textualmente o documento calvinista:

Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta da sua natural escravidão ao pecado e, somente pela sua graça, o habilita a querer e fazer com toda a liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção, ainda nele existente, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau. Col.1: 13; João 8:34, 36; Fil. 2:13; Rom. 6:18, 22; Gal.5:17; Rom. 7:15, 21-23; I João 1:8, 10. É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só. f. 4:13; Judas, 24; I João 3:2 (WESTMINSTER, 1999, IX, IV, V).

No capítulo que trata especificamente da liberdade cristã (dos eleitos, agora regenerados) o mesmo documento anteriormente citado faz a seguinte afirmação:

A liberdade que Cristo, sob o Evangelho, comprou para os crentes consiste em serem eles libertos do delito do pecado, da ira condenatória de Deus, da maldição da lei moral e em serem livres do poder deste mundo. do cativeiro de Satanás, do domínio do pecado, do mal das aflições, do aguilhão da morte, da vitória da sepultura e da condenação eterna: como também em terem livre acesso a Deus, em lhe prestarem obediência, não movidos de um medo servil, mas de amor filial e espírito voluntário. Todos estes privilégios eram comuns também aos crentes debaixo da lei, mas sob o Evangelho, a liberdade dos cristãos está mais ampliada, achando-se eles isentos do jugo da lei cerimonial a que estava sujeita a Igreja Judaica, e tendo maior confiança de acesso ao trono da graça e mais abundantes comunicações do Espírito de Deus, do que os crentes debaixo da lei ordinariamente alcançavam. Tito 2:14; I Tess. 1: 10; Gal. 3:13; Rom. 8: 1; Gal. 1:4; At. 26:18; Rom. 6:14; I João 1:7; Sal. 119:71; Rom. 8:28; I Cor, 15:54-57; Rom. 5l: 1-2; Ef. 2:18 e 3:12; Heb. 10: 19; Rom. 8:14. 15; Gal. 6:6; I João 6:18; Gal. 3:9, 14, e 5: 1; At. 15: 10; Heb. 4:14, 16, e 10: 19-22; João 7:38-39; Rom. 5:5 (WESTMINSTER, 1999, XX.I).

A garantia de que essa liberdade jamais terá fim (diferentemente do estado transitório da liberdade inicial) está sintetizada no último ponto da antítese calvinista à Remostrance, sob o título Perseverança dos Santos.

Conclusão

O Calvinismo não só é uma resposta convincente ao grande problema da humanidade, sintetizada no binômio Soberania de Deus versus Liberdade humana, ou ainda, como trata a filosofia: Liberdade versus necessidade.

Ele é um poderoso sistema de vida, hermeticamente fechado, capaz de responder às questões mais difíceis em todos os níveis e áreas do conhecimento humano. O calvinismo é um dos poucos sistemas que evidencia na prática seus pressupostos teóricos: a humanidade caminha a passos largos em direção à maldade, chegando cada vez mais próximo da perfeição, evidenciando, de forma inconteste a sua “depravação total”.

Os eleitos, em contrapartida, (calvinistas e não calvinistas), demonstram com suas vidas uma atitude diferenciada; fruto da inclusão, por amor, de sua “nova vontade” – livre para o bem – no seu coração, pela graça de Deus. Os eleitos calvinistas, por sua vez, desenvolvem uma ética tão peculiar que pode ser vista e não negada, mesmo por aqueles que, intrinsecamente, estão distanciados desse sistema, como bem observa Weber:

O Deus de Calvino exigia de seus crentes não boas ações isoladas, mas uma vida de boas ações combinadas em um sistema unificado. Mas no curso de seu desenvolvimento, o calvinismo acrescentou algo de positivo a isso tudo, ou seja, a idéia de comprovar a fé do indivíduo pelas atitudes seculares. […] consideramos apenas o calvinismo e adotamos a doutrina da predestinação como arcabouço dogmático da moralidade puritana, no sentido de racionalização metódica da conduta ética.(WEBER, 2004. p.91,94,96).

 

BIBLIOGRAFIA

AGOSTINHO.  A Graça II. São Paulo: Paulus, 1999. VI.13. p
BÍBLIA. Português. Bíblia de estudos de Genebra. Trad. de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Cultura Cristã, 1999. 1710 p.
BREVE CATECISMO. Westminster. São Paulo: CEP, 2000, 56p
CATECISMO MAIOR. Westminster. São Paulo: CEP, 2007, 115p
DORT: Os Cânones. Contra o Arminianismo. São Paulo: Ed.Cultura Cristã, 1996. p
GEERBARDUS, Jabannes. Catecismo Maior comentado. São Paulo: Puritanos, 2007, 656p
KUYPER. Abraham. Calvinismo. Trad.Ricardo Gouvêa. Cambuci-SP: 2002. 208p
LUTERO. Fragmentos. In: Nascido escravo. Trad.Born Slaves. São José dos Campos: Fiel, 1988, p
NIETZSCHE,W.F. Assim Falou Zaratustra. Trad. Mário da Silva. Rio de Janeiro: 1994. 7ª Edição
SPENCER. Duane Edward. Tulip. Trad.Walter Graciano.Cambuci-SP: 1992. 117p
SPROUL, R.C. Sola gratia: a controvérsia sobre o livre arbítrio na história. São Paulo: editora Cultura Cristã, 2001. 239 p.
HORN VAN. Leonard. Estudos no Breve Catecismo. São Paulo: Puritanos, 2000, 198p
WEBER. Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo-SP: Martin Claret, 2002. 230p
WESTMINSTER. Confissão de Fé. São Paulo: CEP: 1999, 96p

 

Notas:

1 Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco -UFPE, Graduado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP. Licenciado em Educação Religiosa pelo Seminário Presbiteriano do Norte – SPN. Atualmente é professor de Introdução à Filosofia e Ética da Faculdade Decisão – FADE.

2 O determinismo constitui um princípio da ciência experimental que se fundamenta pela possibilidade da busca das relações constantes entre os fenômenos. Essa teoria afirma que o comportamento humano é condicionado por três fatores: genética, meio e momento. Os deterministas pensam que todos os acontecimentos do universo estão de acordo com as leis naturais, ou seja, que todo fenômeno é condicionado pelo que precede e acompanha. Não crêem no acaso, nem no sobrenatural, propondo sempre uma investigação na causa dos fenômenos, sem aceitar que aconteceu porque tinha de acontecer. Uma bola de bilhar arremessada com determinada força e direção só poderá percorrer um único caminho que poderá ser traçado com perfeição se todas as variáveis puderem ser levadas em conta, portanto, seu comportamento é determinado pela acção que a causou. Assim, segundo o determinismo, você não pode optar por um sorvete de chocolate ou baunilha, o que ocorre é a ilusão de escolha. Seja qual for a opção que tomar, ela já estaria pré-determinada por toda a sua trajetória de vida e de toda a humanidade antes dela. O que acontece é que as variáveis ocorridas no ato tendem ao infinito, causando, assim, a ilusão de livre-arbítrio ou escolha, conforme:  http://pt.wikipedia.org/wiki/Determinismo.

3 A sociedade de castas é marcada pela rigidez na hierarquização. Baseia-se na hereditariedade, na profissão, na etnia, na religião, determinando uma situação de respeitabilidade. A definição desses critérios ocorre a partir de um conjunto de valores, hábitos e costumes definidos pela tradição. O sistema de castas assenta-se numa relação de privilégios que alguns indivíduos possuem em detrimento dos demais. Esse tipo de organização social parte do pressuposto de que os direitos são desiguais por natureza, uma vez que os elementos que os caracterizam são definidos fora dos indivíduos – por exemplo, o critério para a definição de cargos e profissões se dava pela hereditariedade (o guerreiro, o sacerdote fariam os seus filhos também guerreiros e sacerdotes). Pode-se dizer que, nas sociedades antigas, a organização social baseava-se no sistema de castas. As desigualdades políticas, jurídicas, religiosas, etc. expressavam-se através do lugar que o indivíduo ocupava na estrutura de cargos e profissões, definidos pela hereditariedade, em primeiro plano. Ainda hoje existe na Índia o sistema de castas, embora modificado, pois coexiste com um sistema de classes sociais; mesmo assim, o estudo dessa sociedade pode nos oferecer vários elementos para a compreensão dessa ordem social. Uma das características que marcaram a estratificação social hindu foi a hereditariedade; o nascimento era a condição básica para se definir uma dada posição na ordem social Os pertencentes à casta inferior eram considerados impuros e não podiam nem sequer prestar serviços aos membros das outras castas superiores. A idéia era de que tudo o que os impuros tocassem ficava contaminado, seja alimento, água ou roupa. Apenas as castas puras (superiores) eram consideradas aptas a desempenhar funções públicas e a participar de determinadas atividades religiosas. As castas impuras eram praticamente segregadas, a elas não sendo permitido freqüentar escolas, templos etc. De forma absolutamente generalizada, é possível dizer que as quatro castas principais na Índia, durante muito tempo, foram: brâmane (casta superior a todas), chátria (casta intermediária formada pelos guerreiros), vaixiá (casta intermediária, mas abaixo da chátria, formada pelos comerciantes, agricultores e pastores) e a sudra ou pária (casta mais inferior), conforme: http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/israel_textos/conceito.htm.

4 Os muçulmanos acreditam no qadar, uma palavra geralmente traduzida como predestinação, mas cujo sentido mais preciso é “medir” ou “decidir quantidade ou qualidade”. Uma vez que para o islão Deus foi o criador de tudo, incluindo dos seres humanos, e sendo uma das suas características a onisciência,  ele já sabia quando procedeu à criação as características de cada elemento da sua obra teria. Assim sendo, cada coisa que acontece a uma pessoa foi determinada por Deus, confome: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mul%C3%A7umano#Apredestina.

5 Posição extremada dos argumentos teológicos do calvinismo. Como o próprio sufixo denota, não se trata da posição doutrinária calvinista. Os calvinistas, inclusive, reputam como não bíblicas as argumentações dos hipercalvinistas, que negam qualquer possibilidade de causa e contingência, e afirmam que o homem jamais possuiu livre-arbítrio, nem mesmo antes da queda, e que foi predestinado para cair.
Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/soberania-de-deus/soberania-deus-liberdade-humana-perspectiva-calvinista-presb-fabio-correia.html#ixzz1GayaH0B0
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A Soberania de Deus Sobre a Vontade do Homem

Heitor Alves

Todos os calvinistas crêem que Deus planeja, decreta e controla todos os eventos. Isso significa que o mundo anda de acordo com a vontade de Deus. Mas alguns calvinistas, apesar de reconhecerem o controle divino sobre os grandes acontecimentos da história, ao mesmo tempo negam que Deus tem o controle sobre as decisões dos homens. Ou seja, Deus não causa as escolhas individuais dos homens.

Mas qual é a causa primeira da nossa vontade? Se a causa primeira da vontade humana é Deus, que determina tudo, absolutamente tudo, inclusive pensamentos e ações, está determinado e decretado por Deus desde antes da fundação do mundo? Os que assim pensam, alegam que, tendo determinado o evento/fim, não necessita decretar todos os nossos pensamentos e ação (meios). Outros ainda dizem que se o “fim” já estava previamente garantido, então os nossos pensamentos e ações não precisariam ser determinados, pois de qualquer forma, nossos atos e pensamentos levariam à realização do “fim” determinado por Deus. Falando de outra forma, não importa como agiremos, o que importa é a certeza que o “fim” será realizado.

Mas ao olharmos para a Bíblia, vemos que esse pensamento não é condizente com as afirmações bíblicas. Todos concordam que o “fim” é decretado por Deus, mas é biblicamente aceitável que os meios, que levam à execução do “fim”, também é decretado por Deus, inclusive nossos atos e até pensamentos!

Veja o que diz Deuteronômio 2.30:

Mas Seom, rei de Hesbom, não nos quis deixar passar por sua terra, porquanto o SENHOR, teu Deus, endurecera o seu espírito e fizera obstinado o seu coração, para to dar nas mãos, como hoje se vê.

Vemos claramente neste texto que o próprio Senhor tornou o coração de Seom obstinado e endureceu o seu espírito. Não há nada no contexto que indique que foi o próprio rei que endureceu o próprio espírito.

A dificuldade reside na aceitação da idéia de que Deus causa eventos maus. Mas vemos em outro texto o famoso caso de Faraó. Ao afirmarmos que Deus endurece o coração de Faraó, logo vem a resposta de que também o Faraó endurece o seu próprio coração. Mas temos que admitir que Deus constantemente age através da instrumentalidade humana. Precisamos ter em mente se Deus é ou não é a causa desses instrumentos.

No livro de Êxodo, temos alguns texto que falam do endurecimento do coração de Faraó por Deus (Êx 4.21; 7.3,13; 9.21; 10.1,20,27; 11.10; 14.4,8). Há também um relato extra de Deus endurecendo o coração dos egípcios (Êx 14.17). Há ainda outros texto que dizem que o coração de Faraó está endurecido, sem informar quem o endureceu (Êx 7.14,22; 8.19; 9.7,35). Por fim, há somente três versículos que nos informa que o próprio Faraó endureceu o seu coração (Êx 8.15,32; 9.34).

Se somarmos os números das ocorrências do endurecimento do coração pelo próprio Faraó e os números das ocorrências do endurecimento do coração por Deus, veremos que inegavelmente é o próprio Deus quem endurece o coração de Faraó, pois a declaração do endurecimento por parte de Deus é três vezes mais! É natural que a Bíblia mencione, apenas três vezes, o endurecimento do coração pelo próprio Faraó, pois Deus freqüentemente usa a instrumentalidade humana em certas situações. A causa última, primeira e original é Deus. Quem causa o endurecimento do coração de Faraó é Deus. Quem determina a vontade de Faraó é Deus. É inegável que o endurecimento do coração está dentro do escopo da atividade divina.

Encontramos em 1 Samuel 16.14:

Tendo-se retirado de Saul o Espírito do SENHOR, da parte deste [do SENHOR] um espírito maligno o atormentava.

Claramente vemos que o próprio Deus é quem envia um espírito atormentador a Saul. Mas este texto não é único. Ainda há outros textos que podemos analisar.

Veja 1 Reis 22.20-23:

Perguntou o SENHOR: Quem enganará a Acabe, para que suba e caia em Ramote-Gileade? Um dizia desta maneira, e outro, de outra. Então, saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR, e disse: Eu o enganarei. Perguntou-lhe o SENHOR: Com quê? Respondeu ele: Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas. Disse o SENHOR: Tu o enganarás e ainda prevalecerás; sai e faze-o assim.

Note que Deus desejava que Acabe atacasse Ramote-Gileade e lá mesmo fosse morto. Mas Acabe também queria atacar a cidade. Depois de ouvir as profecias de sucesso dos falsos profetas, e tendo ouvido a profecia de Micaías de que ele seria morto, o rei foi e atacou a cidade e foi morto, como Deus havia determinado. Determiando? Sim. Acabe não podia resistir, pois Deus havia decretado: “Tu o enganarás e ainda prevalecerás”. Na seqüência dos eventos (meio), Deus dirigiu uma flecha atirada “sem direção” de uma tal forma que atingiu a abertura nas juntas da armadura de Acabe, levando-o à morte (fim). Deus decretou que Acabe seria morto. Isso aconteceu. Poderia acontecer de qualquer forma? Não.

Veja agora Salmos 105.25:

Mudou-lhes o coração para que odiassem o seu povo e usassem de astúcia para com os seus servos.

O intuito do presente artigo é provar biblicamente que Deus determina as escolhas que os homens fazem. Visto que os homens fazem escolhas más, estamos dando atenção especial ao fato que Deus causa essas escolhas más. No texto citado, a coisa má é uma escolha humana. O texto se refere aos egípcios a quem o Senhor fez odiar os israelitas. Perceba que Deus causou o ódio dos egípcios aos israelitas. Deus virou o coração dos egípcios para odiar os israelitas.

Deus também causa decisões boas, inclusive transformando o ódio em favor:

E o SENHOR fez que seu povo encontrasse favor da parte dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que pediam. E despojaram os egípcios (Êx 12.36).

Veja que Deus alterou a mentalidade dos egípcios. Deus fez os egípcios odiarem aos israelitas, e agora Deus faz com que os egípcios deixem de odiá-los. Alguns insistem em dizer que Deus não precisa determinar todos os nossos pensamentos e todas as nossas ações para garantir a consecução do “fim”, pois o “fim” está previamente determinado e garantido. Isso é desconhecer o que as Escrituras dizem. Deus controla o que as pessoas pensam! Não existe liberdade humana! Não existe compatibilismo! Deus controla pensamentos/sentimentos (odiar e não odiar, no caso dos egípcios), ações (no caso de Acabe) e o falar (no caso de Faraó, quando dizia que não libertaria o povo de Deus).

Há ainda outro texto que nos informa que Deus controla os pensamentos dos homens:

Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR; este, segundo o seu querer [de Deus], o inclina (Pv 21.1).

Temos aí uma declaração generalizada. Deus inclina os homens de acordo com a Sua vontade. Mas temos na Bíblia um caso específico também:

Ele era escriba versado na Lei de Moisés, dada pelo SENHOR, Deus de Israel; e, segundo a boa mão do SENHOR, seu Deus, que estava sobre ele [Esdras], o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira (Ed 7.6).

Está aí uma declaração explícita. Deus controla e determina os pensamentos, os planos e as decisões dos homens. Ainda em Esdras, encontramos mais um exemplo de Deus dirigindo as decisões e as ações dos homens:

No primeiro ano de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do SENHOR, por boca de Jeremias, despertou o SENHOR o espírito de Ciro, rei da Pérsia, o qual fez passar pregão por todo o seu reino, como também por escrito, dizendo: Assim diz Ciro, rei da Pérsia: O SENHOR, Deus dos céus, me deu todos os reinos da terra e me encarregou de lhe edificar uma casa em Jerusalém de Judá. Quem dentre vós é, de todo o seu povo, seja seu Deus com ele, e suba a Jerusalém de Judá e edifique a Casa do SENHOR, Deus de Israel; ele é o Deus que habita em Jerusalém. (…) Então, se levantaram os cabeças de famílias de Judá e de Benjamim, e os sacerdotes, e os levitas, com todos aqueles cujo espírito Deus despertou, para subirem a edificar a Casa do SENHOR, a qual está em Jerusalém.

O rei Ciro pergunta ao povo quem poderia ajudar na construção da Casa do Senhor. Bom, a princípio parece que os homens decidiriam se ajudariam ou não na construção. Nos é informado que o povo atendeu ao pedido do rei. Mas o texto nos informa também que esse atendimento foi resultado de um despertamento de Deus. Deus motivou a decisão dos homens. Veja que são muitos os textos que apóiam o controle de Deus sobre a vontade dos homens. E tem mais:

A terra de Judá será espanto para o Egito; todo aquele que dela se lembrar encher-se-á de pavor por causa do propósito do SENHOR dos Exércitos, do que determinou contra eles (Is 19.17).

Perceba neste texto que as tribulações de uma nação são atribuídas a determinação de Deus. Mas também temos o texto de Jeremias 13.13,14:

Mas tu dize-lhes: Assim diz o SENHOR: Eis que eu encherei de embriaguez a todos os habitantes desta terra, e aos reis que se assentam no trono de Davi, e aos sacerdotes, e aos profetas, e a todos os habitantes de Jerusalém. Fá-los-ei em pedaços, atirando uns contra os outros, tanto os pais como os filhos, diz o SENHOR; não pouparei, não terei pena, nem terei deles compaixão, para que os não destrua.

O que lemos é Deus enchendo estas pessoas com embriaguez e as atirará umas contra as outras. Note que, se Deus decretou que estas pessoas seriam destruídas (fim), Ele também decretou os meios que levarão estas pessoas a se destruírem. Como estas pessoas seriam destruídas? De qualquer jeito? De qualquer forma? Não. Elas seriam embriagadas e por causa disso seriam destruídas atirando-os uns contra os outros. Deus não somente decreta os resultados, mas também os meios que levarão aos resultados!

Para aqueles que acham que Deus não envia o mal, mas somente o bem, temos um texto de Lamentações 3.38:

Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem?

Deus é a causa original de todas as coisas. Deus causa a vontade, os pensamentos e as ações dos homens. Se todas as ações são determinadas por Deus, concluímos que as ações más fazem parte da determinação divina, e não somente o bem.

Partindo para o Novo Testamento, encontramos mais textos bíblicos que direta ou indiretamente nos indica um controle divino sobre as ações dos homens. Veja Mateus 26.53-56:

Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria neste momento mais de doze legiões de anjos? Como, pois, se cumpririam as Escrituras, segundo as quais assim deve suceder? Naquele momento, disse Jesus às multidões: Saístes com espadas e porretes para prender-me, como a um salteador? Todos os dias, no templo, eu me assentava {convosco} ensinando, e não me prendestes. Tudo isto, porém, aconteceu para que se cumprissem as Escrituras dos profetas. Então, os discípulos todos, deixando-o, fugiram.

Note que Cristo foi direto. Ele até que poderia rogar ao Pai para que Ele (Jesus) se livrasse da situação. Mas, como se cumpririam as Escrituras? Veja que Cristo diz segundo as quais devem suceder. Temos mais um detalhe aqui. Cristo revela que houve várias oportunidades para ser preso: “Todos os dias, no templo, eu me assentava {convosco} ensinando, e não me prendestes”. Mas somente naquela noite é que Jesus foi traído e entregue. Por quê? A resposta está na determinação de Deus. Não estava determinado Jesus ser entregue à luz do dia, no templo quando estava ensinando, e sim, durante aquela noite, naquelas circunstâncias.

O que encontramos no texto de Mateus é que todos os detalhes que precedem o evento e tornam-no possível e real devem ser inclusos, pois de outra forma o evento não aconteceria. Isso fica claro quando Jesus revela que aquela noite era a noite da traição e da prisão. Não poderia ser em outro horário, em outra ocasião, em outro lugar. Portanto, se Jesus não havia sido preso antes, era porque não estava determinado se preso antes! Isso envolve naturalmente as ações dos oficiais, que não prenderam Jesus em outra ocasião. Poderia ser diferente?

Em Lucas 22.22 lemos:

Porque o Filho do Homem, na verdade, vai segundo o que está determinado, mas ai daquele por intermédio de quem ele está sendo traído!

Jesus revela que os próximos acontecimentos estavam determinados. Seria naquela noite que Judas entregaria a Jesus. Todo o desenrolar dos fatos daquela noite estava determinado por Deus. Nada poderia ser diferente. No livro de João 13.21-30 nos é informado que o traidor havia sido indicado. Como os meios deveriam acontecer de tal maneira para o fim ser cumprido, Jesus diz a Judas: “O que pretendes fazer, faze-o depressa”. Ora, note como Deus possui o controla das ações dos homens. Jesus diz que o que estava para acontecer já estava determinado. Em seguida, diz a Judas para fazer depressa o que desejava fazer. Era exatamente desta forma que Jesus seria entregue, para isso lemos no verso 30: “Ele [Judas], tendo recebido o bocado, saiu logo. E era noite”. Deus teve o controle dos desejos e pensamentos de Judas de tal forma que Judas fez exatamente o que estava determinado fazer. Não poderia ser diferente.

Agora passemos para outro texto, Atos 2.23:

… sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos.

As palavras em destaque indicam um planejamento deliberado. Assim como o evento (a morte de Cristo) foi determinado, assim também todo o evento é preordenado, pois Deus é onisciente. Todas as coisas são parte do seu plano. Tudo o que temos visto até aqui nos mostra que não é apenas o evento que é determinado, mas todo o desenrolar que antecede ao evento. É Deus determinando tanto o meio como o fim.

Passemos para o texto de Atos 4.27,28:

… porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram.

Não há nada de novo para ser falado aqui. Porém, é interessante a quantidade de detalhes que o texto nos informa como tendo sido predeterminado. Veja que Herodes, Pilatos, os gentios e o povo de Israel estão incluídos nas palavras “tudo o que”. Ou seja, a determinação de Deus de crucificar a Jesus incluía Herodes, Pilatos, os gentios e os israelitas. Jesus não poderia ser crucificado por outras pessoas. O texto nos informa que essa gente fazia parte do plano de Deus. Não poderia ser de outra forma. Herodes e Pilatos estavam individualmente inclusos no plano eterno; e porque eles estavam assim preordenados, os mesmos se ajuntaram para fazer o que Deus tinha decidido de antemão. A idéia de que um homem pode decidir o que ele fará, assim como Pilatos decidiu o que faria com Jesus, sem essa decisão ser eternamente controlada e determinada por Deus, não faz sentido com o ensino de toda a Bíblia.

Há ainda um outro texto que nos fala claramente que as nossas ações e desejos são resultados do controle divino, Filipenses 2.13:

… porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.

Podemos muito bem dizer que este texto é a teoria. Os demais textos citados são a prática. Se eu quero alguma coisa, então eu quero porque Deus efetuou este querer em mim, não importa se este querer é um querer bom ou mau. Já vimos vários textos de Deus efetuando nos homens um querer mau para a realização de algum propósito, muitas vezes obscuro para nós.

O mesmo podemos dizer do nosso realizar. Eu realizo algo porque Deus efetuou em mim a maneira que Ele quer que eu realize algo. Eu não posso realizar alguma coisa de qualquer jeito. Até a maneira que eu devo realizar alguma coisa é determinada por Deus. Deus determinou que eu devo “desenvolver a minha salvação com temor e tremor” (v. 12). Logo, é o próprio Deus quem me orienta para que eu faça aquilo que Ele quer que eu faça.

Nada do que foi falado aqui é pura filosofia humana. Mas tudo o que foi falado foi falado com base em textos citados da Bíblia. Vimos nas Escrituras Deus não apenas determinando o clímax do evento, mas todo o evento antecedente também faz parte da determinação divina.

Portanto, o determinismo parece-me mais bíblico do que o compatibilismo.

Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/soberania-de-deus/soberania-de-deus-sobre-a-vontade-do-homem-heitor-alves.html#ixzz1Gay2yoNr
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A Soberania de Deus e a Responsabilidade Humana

Arthur W. Pink

“Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.” (Filipenses 2:13).

No capítulo anterior consideramos a questão da vontade humana.

Temos visto que a vontade do homem natural não é soberana nem também não livre, senão antes bem serva de sua natureza caída e do pecado.

Não é possível sustentar a doutrina bíblica da depravação humana a menos que sustentemos também o conceito bíblico da escravatura da vontade humana. Até que seja ensinado por Deus, o homem natural negará que o pecado tem escravizado tanto a sua mente como as suas emoções e a sua vontade. O homem caído vangloria-se de seu “livre arbítrio”, quando em realidade está em servidão ao pecado e é levado cativo à vontade de Satanás. (Veja 2 Timóteo 2:26). Mas se a vontade do homem natural não é livre, significa então que não é responsável pelos seus atos? Acaso Deus não pode inculpá-lo pelo seu orgulho, rebelião e incredulidade?

As Escrituras falam continuamente da corrupção moral e da ruína espiritual do homem. Também declaram que o homem é incapaz de fazer o bem espiritual, mas isto não significa que as Escrituras neguem que seja responsável. Antes bem, falam continuamente dos seus deveres para Deus e para o seu próximo, e exigem uma obediência perfeita aos mandamentos de Deus. Então, o assunto mais difícil é definir a relação entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana.

Muitos, em seu empenho por manter a verdade da responsabilidade humana, acabam negando de uma ou outra forma a soberania de Deus. Estas pessoas dizem que se Deus fosse a exercer um controle direto sobre a vontade humana, o homem ficaria reduzido a um fantoche. Portanto, afirmam que Deus não pode fazer mais do que advertir e exortar o h.; pois se Deus fizesse algo mais direto, isto acabaria com a liberdade humana. Outros têm caído no erro do fatalismo; ou seja, tratam de usar a soberania de Deus para justificar a sua desobediência e pecado, como se Deus tivesse a culpa.

Podemos resumir o ensino bíblico sobre este assunto com o seguinte:

  1. Deus é inteiramente soberano, em todo sentido, sobre todas as coisas, incluso sobre a vontade humana. Mas a soberania de Deus não tira nem diminui em forma alguma a responsabilidade humana.
  2. Os homens são completamente responsáveis; são responsáveis pelos seus atos, são responsáveis de obedecer, de crer, de fazer a vontade de Deus, responsáveis por tudo quanto fazem. Mas em sentido nenhum a responsabilidade humana tira ou diminui a soberania de Deus.
  3. Não existe contradição alguma entre estas duas verdades. Paulo em Romanos 9:11-24 dá uma exposição das duas coisas. O leitor deveria realizar um cuidadoso estudo dos argumentos apresentados pelo apóstolo em Romanos 9 em defesa desta verdade. Também muitos outros versículos declaram juntamente estas duas verdades. Veja por exemplo Atos 2:23, Lucas 22:22, Atos 4:24-28, Atos 13:45-48 y 2 Tessalonicenses 2:8-14.

Neste capítulo trataremos com as seguintes perguntas:

  1. Como pode Deus deter a alguns homens de realizarem o que eles desejam e impulsionar a outros a fazer o que não querem, e ao mesmo tempo preservar a sua responsabilidade? (Ou seja, considerá-los responsáveis).
  2. Como pode o pecador ser responsável de fazer o que por natureza é incapaz de fazer? Como pode ser condenado por não fazer o que é incapaz de fazer?
  3. Como pode Deus decretar que os homens façam certos pecados e depois responsabilizá-los por cometê-los?
  4. Como pode o pecador ser responsável de receber a Cristo e ser responsável por rejeitá-lo, quando Deus não o tem escolhido para ser salvo?

Primeiro: Como pode Deus deter a alguns homens de realizarem o que eles desejam e impulsionar a outros a fazer o que não querem, e ao mesmo tempo preservar a sua responsabilidade?

Em Gênesis 20:6 lemos: “E disse-lhe Deus em sonhos: Bem sei eu que na sinceridade do teu coração fizeste isto; e também eu te tenho impedido de pecar contra mim; por isso não te permiti tocá-la”. Aqui temos um caso claro onde Deus deteve Abimeleque de pecar, impedindo que fizesse o que por si mesmo teria feito. (Veja também os caps. 22 ao 24 de Números e 2 Crônicas 17:10, como exemplos de vezes em que Deus deteve o pecado).

Se Deus pode fazer isso, muita gente pergunta, por que então não impediu Adão de pecar? Por que não deteve a Satanás? Ou, como o expressam muitos na atualidade, por que permite que ocorra tanto sofrimento e maldade no mundo? Alguns respondem dizendo que Deus quer detê-lo, mas não pode porque não pode violar o “livre arbítrio” humano sem reduzir o homem a um robô. Tal resposta é absurda e indigna de Deus. Quem é o homem para dizer que o Todo Poderoso Deus quer mas não pode fazer? A resposta bíblica apropriada é que tanto o pecado como a queda de Adão são usados para manifestar melhor a sabedoria e os bons propósitos de Deus. Entre outras coisas, o pecado provê ocasião para que o amor e a superabundante graça de Deus sejam manifestados.

Como é possível que Deus impeça os homens de pecar sem interferir com a sua liberdade e com a sua responsabilidade? A resposta encontra-se numa compreensão da seguinte pergunta: Em que consiste a verdadeira liberdade moral? A resposta é que a liberdade moral consiste na liberação da escravatura do pecado. Isto é o que Cristo expressou em João 8:36: “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”. Quer dizer, quanto mais seja a pessoa liberada do controle do pecado, mais livre será. Os homens têm uma definição falsa da liberdade, porque acreditam que a liberdade consista em serem livres para pecar. A Bíblia afirma que o pecado não é liberdade, mas escravidão. Isto é o que Cristo disse em João 8:34: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que todo aquele que comete pecado é servo do pecado”.

O homem natural supõe que a única liberdade encontra-se no fato de não estar sob nenhuma autoridade, nem sob o controle de ninguém salvo ele mesmo, cumprindo os desejos de seu próprio coração. No obstante, este tipo de “liberdade” em realidade resulta ser a pior escravidão e miséria possíveis.

A Escritura nos diz que Deus não pode ser tentado pelos maus (Tiago 1:14), que Deus não pode mentir, nem cometer injustiça. Acaso significa que Deus não é livre porque não pode fazer o que é mau? Certamente não. Portanto, quando Deus intervém e impede os pecadores, isto também não diminui a sua verdadeira liberdade. O homem já estava em escravidão e então Deus não tem tirado nada do homem, senão que tem aumentado a sua verdadeira liberdade. Entre mais o homem seja impedido de pecar e liberado da escravatura do pecado, mais liberdade tem.

Segundo: Como pode o pecador ser responsável de fazer o que por natureza é incapaz de fazer? Como pode ser condenado por não fazer o que é incapaz de fazer?

Alguns têm concluído erroneamente que a queda do homem e sua incapacidade espiritual têm terminado com sua responsabilidade moral. Dizem que não é possível que o homem seja tanto incapaz como responsável; dizem que isto é uma contradição. A Bíblia responde que a pesar da depravação e a pesar de sua incapacidade, o homem é inteiramente responsável: responsável de buscar a Deus, responsável de obedecer ao evangelho, responsável de arrepender-se e confiar em Cristo, responsável de deixar seus ídolos e submeter-se a Deus.

O fato de que Deus exija ao homem coisas que ele é incapaz de fazer é uma realidade; por exemplo, lemos na Bíblia: “amarás a Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua mente”, “sede vós perfeitos como vosso Pai nos céus é perfeito”, “arrependei-vos e crede no evangelho”. O homem não regenerado é incapaz de fazer todas estas coisas, mas isto não muda sua responsabilidade e dever de fazê-las. Deus não pode exigir menos que a santidade e a justiça. Embora o homem tenha perdido a sua capacidade, isto não tem anulado nem acabado com sua obrigação. [1]

É simplesmente um argumento filosófico o que diz que a responsabilidade humana é limitada pela incapacidade. Este argumento conduz a uma absurda conclusão de que, quanto mais pecaminoso seja alguém, menos responsabilidade teria. O diabo é um bom exemplo disto. Ninguém duvida da depravação total do diabo. Não há dúvida alguma de que aborrece a Deus, de que é incapaz de fazer o bem e ainda incapaz de arrepender-se. Mas nenhuma destas coisas o desculpa em nada; ao contrario, aumentam sua culpabilidade e sua condenação.

Agora é necessário fazer alguns comentários sobre a natureza da incapacidade humana:

  1. O homem caído não só é incapaz de fazer o bem espiritual, senão também é culpável de sua própria incapacidade.
  1. O homem é culpável porque tem continuado na mesma rebelião de Adão. Este caiu voluntariamente e nós nele (Veja Romanos 5:12). Mas, como uma raça, temos continuado em rebelião até o dia de hoje. Cada ser humano tem participado voluntariamente da mesma rebelião de Adão. O fato de que nenhuma pessoa liberada a si mesma queira arrepender-se e voltar-se a Deus é a prova de sua rebelião.
  1. É necessário entender a distinção entre a incapacidade física (natural) e a incapacidade moral (espiritual). Por exemplo, existe uma diferença entre a cegueira de Bartimeu e a cegueira daqueles que fecham seus olhos para não ver. Existe uma diferença entre os que são surdos de nascimento e aqueles que cobrem seus ouvidos para não ouvir a verdade. A capacidade natural (física) tem a ver com as faculdades que recebemos como seres humanos, por exemplo: a capacidade de pensar, de falar, de ver, de ouvir e sobre tudo, de escolher. Os homens têm mente e vontade e a capacidade de escolher o que desejam. Qual é, então, o problema? O problema radica em seus “desejos”. Por natureza os homens não têm o desejo de serem salvos; não querem vir a Cristo.

Isto é o que Cristo assinalava quando dizia: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer (…) Por isso eu vos disse que ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (João 6:44,65). Quando a Bíblia diz que os homens não pode vir, significa que a incapacidade é espiritual e moral. Não podem porque não querem. Assim o disse Cristo em João 5:40: “E não quereis vir a mim para terdes vida”. Os homens não podem porque aborrecem a Deus e amam seus pecados (veja João 3:19-20 e Romanos 8:5-8). Esta incapacidade é moral e espiritual e nela encontra-se a raiz da depravação humana.

Terceiro: Como pode Deus decretar que os homens façam certos pecados e depois responsabilizá-los por cometê-los?

Para responder esta pergunta vamos considerar a traição e a crucifixão de Cristo. O Antigo Testamento profetizou que Cristo seria traído (Zacarias 11:12) e morto (Isaias 53). Em Atos 2:23 se declara: “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos”. Note que os homens são inculpados por aquilo que foi predeterminado por Deus. Também Atos 4:27-28 diz: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer”.

Foi o propósito de Deus que Cristo morre-se crucificado. Ainda assim, o propósito dos homens de trair e crucificar a Cristo não foi para obedecer a Deus, senão antes bem uma manifestação de seu ódio e rebelião contra Ele. Judas mesmo confessou suas malvadas intenções em Mateus 27:4: “Pequei, traindo o sangue inocente”. Por este motivo Judas foi condenado por Deus. A traição de Judas formou uma parte do plano eterno de Deus, mas isto não o livrou de sua responsabilidade. Cristo mesmo afirmou este ponto em Lucas 22:22, dizendo: “E, na verdade, o Filho do homem vai segundo o que está determinado; mas ai daquele homem por quem é traído!”.

Deus não colocou no coração de Judas, nem também não dos judeus, o desejo de trair a Cristo. Deus não aprova o pecado nem também não é o seu autor.

Os motivos e os propósitos malvados dos homens nascem de seu próprio coração (veja Tiago 1:13-14), e portanto são responsáveis perante Deus. o coração perverso dos homens produz as más obras, mas Deus refreia e dirige esta maldade para cumprir através dela seus propósitos. Os seguintes textos afirmam esta verdade: “O coração do homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos.” (Provérbios 16:9); “Certamente a cólera do homem redundará em teu louvor; o restante da cólera tu o restringirás.” (Salmo 76:10).

Portanto os decretos de Deus não são a causa dos pecados humanos, antes bem seus decretos limitam e dirigem os atos malvados dos homens para cumprir seu plano eterno. Deus não forçou Judas a realizar a maldade que ele fez, senão que Deus usou a maldade de Judas para cumprir o plano da redenção.

Quarto: Como pode o pecador ser responsável de receber a Cristo e ser responsável por rejeitá-lo, quando Deus não o tem escolhido para ser salvo?

Em primeiro lugar, temos que compreender que ninguém pode saber com plena certeza que não é um dos escolhidos de Deus. Este conhecimento pertence ao conselho secreto de Deus, ao qual nenhum ser humano tem acesso (Deuteronômio 29:29). A vontade revelada de Deus é a norma da responsabilidade humana. Deus tem revelado em sua Palavra que todas as pessoas devem arrepender-se a crer no evangelho (Atos 17:30 e 1 João 3:23). As mesmas Escrituras dizem que todos aqueles que se arrependam e acreditem serão salvos. Todos os homens são responsáveis de esquadrinhar as Escrituras, “que podem fazer-te sábio para a salvação” (2 Timóteo 3:15). Já que a fé vem pelo ouvir a Palavra de Deus (Romanos 10:17), então é o dever de cada pecador esquadrinhar as Escrituras, rogando a Deus que lhe conceda entendimento para a salvação de sua alma. Façamos o que Deus tem nos ordenado e deixemos o resto em suas mãos.

Como já mostramos, é um fato que o homem não quer se voltar a Deus, nem obedecê-Lo, nem amá-Lo, o que é a fonte de sua incapacidade.

Isto é o que origina a necessidade da graça eletiva de Deus. Se não fosse por esta graça, ninguém seria salvo (Isaias 1:9). Já que o homem é incapaz de cumprir com as exigências de Deus, então, que deveria fazer? Primeiro, deveria humilhar-se e reconhecer a sua incapacidade. Segundo, deveria clamar a Deus e pedi-Lhe a graça para superar sua incapacidade. Cada crente verdadeiro reconhece sua incapacidade e depravação, e roga a Deus fervorosamente por sabedoria, graça e poder para conseguir realizar o que é agradável perante Ele.

Da mesma maneira, cada pecador é responsável de invocar o Senhor reconhecendo que a Palavra de Deus diz a verdade quando descreve sua condição depravada, e reconhecendo que o juízo de Deus é justo. Seu dever então é clamar a Deus e Lhe pedir o poder de Seu Espírito Santo para conduzir seu coração à obediência e submissão a Cristo. Se o pecador faz isto sinceramente, então Deus responderá a seu clamor, porque a Escritura diz: “Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” (Romanos 10:13). Tal como um homem que esteja morrendo sem forças nem habilidade para salvar a si mesmo deveria clamar por ajuda, assim também o pecador incapaz de salvar a si mesmo deve clamar a Deus a fim de que Ele faça o que ele é incapaz de realizar. Porém, se o pecador está decidido a perecer e recusa vir a Cristo, então não pode inculpar a ninguém, salvo a si mesmo.

Se o pecador pode ou não entender como harmonizar a soberania de Deus e a responsabilidade humana, de todas maneiras permanece como responsável de invocar a Cristo para salvação do pecado e da ira de Deus.

Talvez enquanto leia estes capítulos, tenham surgido algumas perguntas.

Quiçá tenha se perguntado: por que os crentes incomodam-se em predicar o evangelho aos inconversos se em verdade os homens não têm a capacidade de receber a Cristo como seu Salvador? Ou a pergunta seja: por que os crentes devem preocupar-se por orar se Deus já tem decidido o que vai acontecer? Ou, então: por que devem realizar um esforço os crentes para chegar a ser melhores pessoas, se Deus mesmo está controlando as suas vidas? Talvez esteja pensando que é uma injustiça e um agravo de Deus escolher só certas pessoas para serem salvas. No próximo capítulo tentaremos responder estas perguntas.

Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/soberania-de-deus/soberania-de-deus-responsabilidade-humana-arthur-w-pink.html#ixzz1GaxVSo34
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A Nossa Vontade Não É Realmente Livre

A. W. Pink

“Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:13)

Muitas pessoas dizem que o homem tem “livre arbítrio”. Elas dizem que podemos escolher por nós mesmos acreditar ou não no Senhor Jesus. Nos dizem que temos em nós mesmos a capacidade para aceitar ou rejeitar a Cristo.

Porém a Bíblia não ensina isso. Rm 3:11 diz que ninguém deseja buscar a Deus. é verdade que a Bíblia diz que quem quiser pode vir a Cristo, mas isto não significa que os homens possuam a capacidade de vir.

De fato, a Bíblia diz claramente que ninguém tem a capacidade de vir a Cristo. (Veja, por exemplo, João 6:44, 65). Romanos 8:7 nos diz que a nossa natureza caída está em inimizade contra Deus. João 15:18 diz que o mundo odeia em forma natural a Deus. leia estes versículos por si mesmo e veja que isto é bíblico.

Fica claro então que a Bíblia diz que as nossas vontades não são realmente livres. Não somos livres para escolher se vamos receber a Cristo como nosso Salvador ou não. Em realidade, longe de sermos livres ou neutrais, a nossa vontade é escrava de outras coisas.

Mas, o que é a nossa vontade? A vontade é a capacidade de escolher entre uma coisa e outra, ou entre mais alternativas. Mas algo sempre influi na eleição, que nos faz decidir em prol de uma ou em contra de outra alternativa. Isto significa que a nossa vontade é como uma serva daquelas coisas que influem em sua decisão. Portanto, a nossa vontade não pode ser livre.

Quais são as coisas que influem em nossa vontade para que escolha entre uma coisa ou outra? Isso depende de que tipo de pessoas sejamos; ou seja, depende de nossa natureza e caráter. Em algumas pessoas esta influência pode ser a razão, e em outras poderia ser a consciência ou as emoções, ou poderia ser Satanás ou o Espírito Santo. Qualquer destas coisas que tenha mais influência sobre a pessoa é o que em verdade controla a sua vontade. Então, enquanto muitos dizem que é a vontade do homem o que o governa, a Bíblia ensina que é a sua natureza interna a que o controla. A Bíblia chama esta natureza interior “o coração”. É o nosso coração (nossa natureza interior) o que influencia a nossa vontade.

Portanto, quando alguém realiza uma eleição, fará o que agrada a seu coração. Se um pecador tem que escolher entre uma vida de bondade e de santidade e uma vida de pecado e egoísmo, escolherá a vida de pecado. Por que? Porque isso é o que agrada a seu coração. Seu coração (seu “eu” interior) é pecaminoso. Lembre-se, a vontade do homem (sua capacidade de escolha) está controlada pelo seu coração pecaminoso.

A Bíblia ensina que os nossos corações são por natureza pecaminosos e que por natureza odiamos a Deus. Devido a isso, as nossas vontades inclinam-se naturalmente para a maldade, já que as nossas vontades são controladas pelos nossos corações pecaminosos. E já que nunca somos forçados a pecar em contra de nossa vontade, existe um sentido em que podemos dizer que as nossas vontades são “livres”. Como pessoas somos livres de fazer o que nos dá prazer, mas porque somos pecadores, gostamos sempre é de pecar. Isto é semelhante a um homem que sustém um livro em sua mão e depois o deixa cair. O livro é agora livre, mas naturalmente cai no chão. O homem que o soltou não o tem forçado a cair no chão: aí caiu. Do mesmo modo, ninguém força o pecador a pecar; ele peca naturalmente porque a sua natureza pecaminosa controla a sua vontade. Ele escolhe pecar livre e deliberadamente, mas sempre escolhe pecar porque a sua natureza é pecaminosa.

O pecado tem afetado cada parte da natureza do homem, ou seja: a sua mente, suas emoções e sua vontade. O homem é totalmente depravado e isso não é difícil de provar. Não temos que discutir acerca da natureza pecaminosa do homem, já que nenhuma pessoa pode guardar as normas que ela impõe a si mesma. Também não pode fazer as coisas boas que deseja realizar, nem muito menos as coisas que agradam a Deus (é por isso que a Escritura declara: “Não há um justo, nem um sequer” (Romanos 3:10). Isto mostra claramente que o homem não é livre, senão que está controlado pelo pecado e por Satanás. O pecado tem penetrado em cada parte de nossa natureza humana. Por natureza não queremos realizar a vontade de Deus, e também não desejamos amá-Lo. O pecado tem entrada em cada parte de nós, incluindo as nossas vontades. Nossas vontades não são livres.

De igual maneira como as outras partes de nosso ser, a vontade é governada pelo pecado e está em oposição a Deus. Sendo assim, não é correto dizer que o homem é capaz de escolher amar e obedecer a Deus, porque em realidade a vontade não deseja obedecer a Deus em absoluto. Também não é correto dizer que os homens têm que fazer “a sua parte” na salvação de si mesmos. Um homem morto não pode fazer nada para salvar a si mesmo, e a Bíblia nos diz que os homens estão mortos a causa de sua desobediência e pecado. Somente Deus pode mudar a nossa natureza pecaminosa de modo que cheguemos a amá-Lo e obedecê-Lo (Romanos 8:7-8; 1 Coríntios 2:14; João 6:44, 65; João 3:1-9; Efésios 4:17-19; Efésios 2:1-10; João 8:34, 44; Gênesis 6:5; Eclesiastes 9:3; Jeremias 17:9; Marcos 7:21-23; Isaias 53:6 y 64:6; Jó 14:4; Jeremias 13:23, etc.).

Temos aprendido que Deus tem o controle de todas as coisas. Deus o Pai escolheu salvar a certas pessoas de seus pecados. Jesus Cristo morreu para salvá-los e o Espírito Santo lhes dá vida espiritual. Na salvação de seu povo e em seu controle de todas as coisas, Deus opera de acordo com Seu propósito determinado. Nenhuma pessoa pode escolher se será salva ou não, porque a sua vontade é por natureza má e não deseja o que é bom. Ou seja, se Deus deixara liberados a todos nós aos desejos de nossa própria natureza, então nenhum seria salvo, mas todos perdidos. Só Deus pode realizar que uma pessoa deseje ser salva de seus pecados.

Muitas pessoas desejam escapar das conseqüências de seus pecados, mas ninguém por natureza quer deixar o pecado, nem ser salvo de seu controle e domínio. É por isso que a Bíblia ensina que o arrependimento e a fé são dons que Deus concede só aos seus escolhidos (2 Timóteo 2:24-26; Atos 5:31 y Atos 13:48; Filipenses 1:29 y 2:13-14; Tiago 1:18; 1 Coríntios 3:5; Romanos 12:3; Atos 16:14).

Extraído do site: http://www.eleitosdedeus.org/livre-arbitrio/nossa-vontade-nao-e-realmente-livre-a-w-pink.html#ixzz1Gawhz8ub
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Não depende de quem quer! – C.H. Spurgeon

De acordo com o esquema do livre-arbítrio, o Senhor tem boas intenções, mas precisa aguardar como servo, a iniciativa de sua criatura, para saber qual é a intenção dela.

Deus quer o bem e o faria, mas não pode, por causa de um homem indisposto, o qual não deseja que sejam realizadas as boas coisas de Deus. O que os senhores fazem, senão destronar o Eterno e colocar em seu lugar a criatura caída, o homem?

Pois, de acordo com essa teoria, o homem aprova, e o que ele aprova torna-se o seu destino. Tem de existir um destino em algum lugar; ou é Deus ou o homem quem decide. Ser for Deus quem decide, então Jeová se assenta soberano em seu trono de glória, e todas as hostes lhe obedecem e o mundo está seguro.

Em caso contrario, os senhores colocam o homem em posição de dizer: “Eu quero” ou “Eu não quero . Se eu quiser, entro no céu; se quiser, desprezarei a graça de Deus.

Se quiser, conquistarei o Espírito Santo, pois sou mais forte do que Deus e mais forte que a onipotência.

Se eu decidi, tornarei ineficaz o sangue de Cristo, pois sou mais poderoso que o sangue, o sangue do próprio Filho de Deus.

Embora Deus estipule seu propósito, me rirei desse propósito; será o meu propósito que fará dEle realizar-se ou não”.

Senhores, se isto não é ateísmo, é idolatria; é colocar o homem onde Deus deveria estar. Eu me retraio, com solene temor e horror, dessa doutrina que faz a maioria das obras de Deus – a salvação do homem – depender da vontade da criatura, para que se realize ou não.

Posso e hei de me gloriar neste texto da Palavra, em seu mais amplo sentido: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de Deus usar de misericórdia” (Romanos 9:16).

Expiação em Cristo – Calvinismo X Arminianismo

Não nos é dito por que Deus não salva toda a humanidade quando todos são igualmente indignos, considerando que o sacrifício do Calvário foi o de uma pessoa de valor infinito, amplamente suficiente para salvar todos os homens, caso Deus assim o desejasse. Mas as Escrituras nos dizem que nem todos serão salvos. No entanto, podemos dizer que a expiação, que foi elaborada a um enorme custo para o próprio Deus, é de Sua propriedade, e que Ele tem a liberdade de usá-la de qualquer modo que Ele escolher. Nenhum homem tem direito a qualquer reivindicação de qualquer parte dela. Nos é dito repetidamente que a salvação é pela graça. E a graça é favor mostrado ao que não merece, e mesmo ao que desmerece. Se alguma parte da salvação do homem fosse devida às suas próprias boas obras, então certamente haveria uma diferença entre os homens, e aqueles que respondessem à oferta graciosa, poderiam, justificadamente, apontar o dedo desdenhosamente ao perdido e dizer: “Você teve a mesma chance que eu tive. Eu aceitei, mas você recusou. Portanto, você não tem desculpa.”  Mas não. Deus organizou este sistema de tal modo que aqueles que são salvos só podem ser eternamente gratos por terem sidos salvos por Deus.

Não nos cabe questionar por que Deus faz como Ele faz, pois a Escritura declara:
Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra? Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão, os quais somos nós, a quem também chamou” (Romanos 9:20-24)
Apenas o Calvinista parece levar a sério a queda do homem. Uma avaliação apropriada da queda e da atual condição perdida do homem é o elemento ausente em grande parte do pensamento, do ensino e da pregação atuais. O Arminianismo erra seriamente ao supor que o homem tem capacidade suficiente para se voltar para Deus, bastando desejá-lo. O calvinista insiste que o homem não está apenas doente ou indisposto, ou que precisa apenas do incentivo correto, mas que ele está morto espiritualmente, e que a expiação de Cristo não faz da salvação uma possibilidade abstrata de tal forma que todo homem possa se voltar para Deus, caso queira. O calvinista sustenta que a expiação foi uma obra objetiva realizada na história, que removeu todas as barreiras legais contra aqueles a quem ela devia ser aplicada, e que seria seguida pela obra do Espírito Santo subjetivamente aplicando os méritos dessa expiação aos corações daqueles a quem foi divinamente destinada.
Chamamos novamente a atenção para um dos versos mais importantes nas Escrituras sobre a questão da salvação: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer;” (João 6:44). Outro como ele é: “Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora.” (João 6:37). E aos cristãos de Corinto, Paulo escreveu: “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” (1 Coríntios 2:14).
E como é que Deus conduz os eleitos ao exercício da fé? A resposta é: Na regeneração o Espírito Santo submete o coração do homem para Si, e confere ao homem uma nova natureza que ama a justiça e odeia o pecado. Ele não força o homem contra a sua vontade, mas o faz espontaneamente e de todo o coração obediente à Sua vontade. Quando o Senhor Jesus apareceu ao endurecido e perseguidor Saulo no caminho de Damasco, ele imediatamente tornou-se obediente à vontade do Senhor. “Apresentar-se-á voluntariamente o teu povo, no dia do teu poder;“, disse o salmista (Salmos 110:3). Assim, Deus dá a Seu povo a vontade de vir. Esse ato da parte de Deus na natureza subconsciente da pessoa é conhecido como regeneração, ou como um novo nascimento, ou nascer de novo. Quando, assim, é dada ao homem uma nova natureza, ele reage de acordo com essa natureza, como fazem todas as criaturas de Deus. Ele, então, exerce fé e pratica as boas obras características de arrependimento tão naturalmente como a videira produz uvas. Enquanto o pecado foi o seu elemento natural, agora a santidade torna-se seu elemento natural – não de uma vez, pois ele ainda tem resquícios da velha natureza agarrados a ele, e enquanto ele permanece neste mundo, ele ainda está em um ambiente pecaminoso. Mas, como sua nova natureza está livre para expressar-se, ele cresce na justiça, se deleita em ler a Palavra de Deus, orando, e tendo comunhão com outros cristãos.
Temos então que escolher entre uma expiação de elevada eficiência, a qual é perfeitamente realizada, ou uma expiação de ampla extensão que é imperfeitamente realizada. Não podemos ter as duas. Se tivéssemos as duas, teríamos uma salvação universal. Mas o Arminiano estende a expiação tão amplamente que, no que se refere ao seu efeito real, praticamente não há qualquer valor a não ser como um exemplo de um serviço altruísta. Dr. B. B. Warfield usou uma ilustração muito simples para apresentar esta verdade. Ele disse que a expiação é como massa de pizza – quanto mais você espalha, mais fina ela torna-se. E o Arminiano, ao torná-la aplicável a todos os homens, reduz a sua eficácia a tal ponto que deixa de ser, praticamente, uma expiação em absoluto.
Além disso, por Deus ter colocado os pecados de todos os homens sobre Cristo, significa que, no que diz respeito aos perdidos, Ele estaria punindo os seus pecados duas vezes, uma em Cristo, e depois novamente neles. Certamente que seria injusto. Se Cristo pagou os seus débitos, eles estão livres, e o Espírito Santo invariavelmente os levaria à fé e ao arrependimento. Se a expiação foi verdadeiramente ilimitada (universal), isso significaria que Cristo morreu por multidões cujo destino já havia sido determinado, que já estavam no inferno no momento em que Ele sofreu. Se a expiação simplesmente anulou a sentença que havia contra o homem de modo a lhe dar uma nova chance caso ele exercesse a fé e a obediência, isso significaria que Deus o estava colocando em teste novamente como foi colocado o seu antepassado Adão. Mas esse tipo de teste foi experimentado e teve seu desfecho há muito tempo, em um ambiente muito mais favorável. Levada à sua conclusão lógica, a teoria da expiação ilimitada leva ao absurdo.
Devemos lembrar que o sofrimento de Cristo na Sua natureza humana, quando Ele permaneceu pendurado na cruz por seis horas, não foi essencialmente físico, mas mental e espiritual. Quando Ele clamou: “Meu Deus, meu Deus, por que me desamparaste” Ele estava literalmente sofrendo as dores do inferno. Pois isso é essencialmente o que o inferno é, a separação de Deus, a separação de tudo o que é bom e desejável. Tal sofrimento está além da nossa compreensão. Mas uma vez que ele sofreu como um pessoa divina-e-humana, Seu sofrimento foi um equivalente justo por tudo aquilo que Seu povo teria que sofrer em uma eternidade no inferno.
Na verdade, o homem redimido ganha mais através da redenção em Cristo do que ele perdeu na queda de Adão. Pois na encarnação, Deus, literalmente, entrou na raça humana e tomou sobre Si a natureza humana, natureza que Cristo, em Seu corpo glorificado, manterá para sempre, e, evidentemente, Ele será o único Deus visível que veremos no céu. Pedro nos diz que agora somos “co-participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4), e Paulo diz que somos “herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo;” (Rm 8:17). Pense nisso! Participantes da natureza divina, e co-herdeiros com Cristo! Que maior bênção poderia Deus conferir a nós? Como tal, somos superiores aos anjos, pois eles são designados na Escritura apenas como mensageiros de Deus, Seus servos.
Em última análise, o Arminiano é confrontado com exatamente o mesmo problema como qual é o Calvinista – aquele problema mais amplo a respeito do porque um Deus de infinita santidade e poder permite o pecado. No nosso atual estado de conhecimento, podemos dar apenas uma resposta parcial. Mas o Calvinista encara esse problema, reconhece a doutrina bíblica de que todos os homens tiveram sua oportunidade justa e favorável em Adão, de que Deus agora graciosamente salva alguns da raça caída, deixando os outros seguirem seu próprio e escolhido caminho pecaminoso e manifesta a Sua justiça em sua punição. Mas ao admitir o conceito de presciência, o Arminianismo não tem explicação quanto ao por que Deus intencionalmente e deliberadamente cria aqueles que Ele sabe que se perderão e que passarão a eternidade no inferno.
No entanto, no que diz respeito ao problema do mal, podemos dizer que Deus criou este mundo como uma arena em que Ele iria mostrar a Sua glória, Seus atributos maravilhosos para que todas as Suas criaturas vissem e admirassem – Seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade. E aqui estamos, preocupados principalmente com a Sua justiça.
A justiça de Deus exige que a bondade seja recompensada e que o pecado seja punido. E é tão necessário que o pecado seja punido quanto é necessário que a bondade seja recompensada. Deus seria injusto se não fizesse as duas coisas. Por isso, Ele criou homens e anjos não como robôs que, automaticamente, produzissem boas obras como uma máquina produz parafusos ou latas, que não merecessem quaisquer recompensas, mas os criou como agentes morais livres, em Sua própria imagem, capazes, em Adão antes da queda, de escolherem entre o bem e o mal. Ele manifesta a Sua justiça para com aqueles que Ele propôs salvar pela graça, os recompensando pelas boas obras encontradas em Cristo, o seu Salvador, e creditadas a eles, os confirmando em santidade, e os admitindo no céu. E Ele manifesta a Sua justiça para com aqueles a quem Ele propôs deixar de lado em sua disposição pela continuidade no pecado.
Da mesma forma, se o pecado tivesse sido excluído, não poderia ter havido qualquer revelação adequada dos atributos mais gloriosos de Deus: graça, misericórdia, amor e santidade, como é apresentada em Sua redenção dos pecadores. Lembremos que os anjos no céu ganharam a salvação através de um pacto de obras, mantendo a lei de Deus. Como no caso de Adão, lhes foram prometidas certas recompensas se obedecessem. Eles obedeceram, e foram confirmados em santidade. Eles não experimentaram a salvação pela graça. Há um antigo hino que diz: “Quando eu canto a história de redenção, os anjos dobram suas asas e ouvem.” E assim será o contraste fundamental entre os homens e os anjos.

Daí a explicação de que Deus é quem permite o pecado, mas o controla e o governa para a Sua própria glória. Se o pecado tivesse sido excluído da criação, aqueles gloriosos atributos jamais poderiam ser adequadamente apresentados perante o Seu inteligente universo de homens e de anjos, e na sua maior parte, teriam permanecido para sempre escondidos nas profundezas da natureza divina.

Porque amei a Jacó, porém, Odiei a Esaú – João Calvino

E as crianças não eram ainda nascidas (Rm 9.11-13). Ele agora começa a pôr-se mais a descoberto, a fim de mostrar a razão desta diferença, a qual, nos informa ele, deve ser encontrada unicamente na eleição divina. Inicialmente notara, de forma sucinta, que havia certa diferença entre os filhos naturais e os de Abraão, ou seja: ainda que, pela circuncisão, todos haviam
sido adotados na participação do pacto, todavia a graça divina não fora eficaz em todos eles. Portanto, aqueles que desfrutam dos benefícios divinos são os filhos da promessa. Paulo, não obstante, ou guardara silêncio, ou no mínimo fizera uma alusão um tanto velada sobre a causa desta ocorrência. Mas agora ele faz uma clara referência a toda a causa da eleição imerecida de Deus, a qual em hipótese alguma depende do homem. Na salvação dos santos não temos que buscar uma causa maior fora da munificência divina, e nenhuma causa maior na destruição dos réprobos além de sua justa severidade.
A primeira proposição de Paulo, pois, é a seguinte: “Como a bênção do pacto separa o povo de Israel de todas as demais nações, assim também a eleição divina faz distinção entre as pessoas desta nação, ao tempo em que predestina alguns para a salvação e outros para a condenação eterna.55 Eis a segunda proposição: “Não há outro fundamento para esta eleição senão unicamente a munificência divina, bem como sua mercê [revelada] desde a queda de Adão, a qual amplexa todos aqueles de quem ele se agrada, sem nenhuma consideração por suas obras, quaisquer que sejam elas.55 Eis a terceira: “O Senhor, em sua eleição totalmente imerecida, é livre e isento da necessidade de conceder igualmente a todos a mesma graça. Ao contrário, ele ignora a quem quer, e escolhe a quem lhe apraz.55 Paulo, sucintamente, enfeixa todas estas proposições numa só cláusula, e em seguida considerará os pontos restantes.
Ao afirmar: E as crianças não eram ainda nascidas, nem tinham praticado o bem ou o mal, está a demonstrar que Deus, ao fazer a diferença entre eles, não poderia ter levado em conta quaisquer obras que não haviam ainda vindo à existência. Os que apresentam um argumento contrário, dizendo que isto não constitui razão para a eleição divina não fazer diferença entre os homens segundo os méritos de suas obras – porquanto Deus prevê as obras futuras, as quais os farão ou não dignos ou merecedores de sua graça -, não conseguem perceber com a mesma lucidez de Paulo, porém se prejudicam pelo primeiro princípio de teologia, o qual deve ser bem mais conhecido dos cristãos, ou seja: que Deus não pode ver nada [de positivo] na natureza corrompida do homem, tal como demonstrado na pessoa de Jacó e Esaú, que o possa induzir a demonstrar seu favor» Quando, pois, Paulo diz que nem um deles, naquele tempo, havia feito qualquer bem ou mal, devemos adicionar, ao mesmo tempo, seu pressuposto de que eram ambos filhos de Adão, pecadores por natureza, sem a posse de uma única fagulha de justiça.
Não insisto na explanação destes pontos, porque o pensamento do apóstolo é obscuro. Entretanto, visto que os sofistas não se mostram satisfeitos com a simples afirmação de Paulo, e intentam escapar com distinções frívolas, então empenhei-me por mostrar que ele não estava de forma alguma desinformado acerca dos argumentos que alegavam, mas que eles mesmos eram cegos em relação aos princípios elementares da fé.
Além disso, ainda quando a corrupção que se difundiu por toda a raça humana é de si mesma suficiente para trazer condenação, mesmo antes de revelar sua natureza em feitos ou atos, segue-se deste fato que Esaú merecia ser rejeitado, porquanto era, por natureza, filho da ira. Não obstante, a fim de evitar ainda alguma sombra de dúvida, como se a condição de Esaú fosse pior em razão de algum vício ou deformação, era conveniente que Paulo excluísse os pecados não menos que as virtudes. E verdade que a causa imediata de reprovação consiste na maldição que todos nós herdamos de Adão. Não obstante, o apóstolo nos dissuade deste conceito, para que aprendamos a descansar exclusiva e simplesmente no beneplácito divino, até que se estabeleça a doutrina de que Deus tem uma causa suficientemente justa para situar a eleição e a reprovação em sua própria vontade.
Para que o propósito de Deus quanto à eleição prevalecesse. Em quase cada palavra ele insiste com seus leitores sobre a soberania da eleição divina. Se porventura as obras tivessem algum espaço, então teria dito: “para que a remuneração esteja relacionada com as obras”. Não obstante, ele põe em confronto as obras [humanas] e o propósito divino^ o qual se acha contido tão-somente em seu próprio beneplácito. E para que nenhuma base para contenda sobre o tema viesse a lograr êxito, ele removeu toda e qualquer dúvida ao acrescentar outra cláusula, a saber: segundo a eleição, e então uma terceira: não por obras, mas por aquele que chama. Portanto, consideremos o contexto mais detidamente. Se porventura o propósito divino segundo a eleição é estabelecido em razão de mesmo antes que os irmãos houvessem nascido e pudessem praticar o bem ou o mal, um é rejeitado e o outro, eleito, então querer atribuir a causa da diferença entre ambos às suas obras é subverter o propósito divino. Ao adicionar, não por obras, mas por aquele que chama, sua intenção não era levar em conta as obras, e, sim, unicamente a vocação [divina]. O que Paulo pretende é excluir toda e qualquer consideração pelas obras. A perseverança de nossa eleição se acha total e exclusivamente compreendida no propósito divino. Os méritos [humanos] não são de nenhum proveito aqui, pois eles resultam somente em morte. A dignidade [humana] é desconsiderada, porque não existe nenhuma, senão que reina unicamente a munificência divina. Portanto, é falsa e contrária à Palavra de Deus a doutrina de que Deus ou elege ou reprova com base em sua previsão, se cada um é ou não digno de seu favor.
12. O mais velho será servo do mais moço. Observe-se bem como o Senhor faz distinção entre os filhos de Isaque, quando ainda se acham no ventre de sua mãe. O oráculo divino então aponta para Jaco. Segue-se disto que a vontade divina era mostrar ao filho mais jovem um favor particular, o qual negou ao mais velho. Ainda que esta promessa tivesse a ver com o direito de primogenitura, não obstante Deus declara sua vontade nele como um tipo de algo maior. Podemos ver isto mais claramente se levarmos em conta quão pouca vantagem, em relação à carne, Jacó obteve de sua primogenitura. Por causa dela, ele se viu exposto a um grande perigo. A fim de escapar do perigo, se viu obrigado a deixar seu lar e seu país, bem como se viu ameaçado, em seu exílio, a viver de uma forma desumana. Em seu retorno, cheio de tremores e de incertezas no tocante à sua vida, prostrou-se aos pés de seu irmão, humildemente rogou perdão para suas ofensas, e só escapou da morte porque seu irmão, Esaú, lhe ofereceu o perdão. Onde vamos encontrar o domínio de Jacó sobre seu irmão, de quem se viu obrigado a buscar sobrevivência agora tão ameaçada? Há, portanto, na resposta apresentada pelo Senhor, algo muito maior do que a primogenitura prometida.
13. Como está escrito: Amei a Jacó. O apóstolo confirma, usando um testemunho ainda mais forte, o quanto a promessa feita a Rebeca se relaciona com seu presente tema. A condição espiritual de Jacó era testemunhada por seu domínio, e a de Esaú, por sua servidão. Jacó também obteve este favor pela munificência divina, e não por seu próprio mérito. Esta declaração do profeta, portanto, revela por que o Senhor conferiu a primogenitura a Jacó. Ela é extraída de Malaquias 1, onde o Senhor declara sua benevolência para com os judeus, antes de reprová-los por sua ingratidão. “Eu vos amei, diz ele. E então acrescenta a fonte da qual seu amor fluía. “Não era Esaú irmão de Jacó? – como a dizer: “Que privilégio tinha ele [Jacó] para que eu lhe preferisse a seu irmão? Nenhum! Seus direitos eram iguais, exceto que o mais jovem devia, por direito natural, estar sujeito ao mais velho. No entanto, escolhi a Jacó e rejeitei a Esaú, movido a proceder assim unicamente pela minha misericórdia, e não por alguma dignidade que porventura houvesse em suas obras. E então vos adotei para que fosseis o meu povo, e assim pudesse mostrar-vos a mesma benevolência que revelei a Jacó. Contudo rejeitei os edomitas, descendentes de Esaú. Portanto, sois muitíssimo piores, visto que a lembrança deste grande favor nao pôde motivar-vos a adorar minha majestade.55 Ainda quando Malaquias menciona também as bênçãos terrenas que Deus derramara sobre os israelitas, não devem ser consideradas em nenhum outro sentido senão como sinais de sua munificência. Onde a ira divina for encontrada, a morte também estará presente. Mas onde o amor divino é encontrado, a vida igualmente se faz presente.

Eleito para ser Santo – João Calvino

Assim como nos elegeu nele (Ef 1.4). Aqui, o apóstolo declara que a eterna eleição divina é o fundamento e causa primeira, tanto de nosso chamamento como de todos os benefícios que de Deus recebemos. Se se nos pede a razão por que Deus nos chamou a participar do evangelho, por que diariamente ele nos concede bênçãos em grande profusão, por que ele nos abre os portões celestiais, teremos sempre que retroceder a este princípio, ou seja: que Deus nos elegeu antes que o mundo viesse à existência. O próprio tempo da eleição revela que ela é gratuita; pois, o que poderíamos merecer, ou em que consistiria o nosso mérito, antes que o mundo fosse criado? Pois quão pueril é o raciocínio sofistico, o qual afirma que não fomos eleitos porque já éramos dignos, e, sim, porque Deus previra que seríamos dignos. Todos nós estamos perdidos em Adão; portanto, Deus não poderia ter-nos salvo de perecermos por meio de sua própria eleição, se não havia nada para ser previsto. O mesmo argumento é usado em Romanos, onde, ao falar de Jacó e Esaú, diz ele: “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal” [Rm 9.11]. Embora, porém, eles ainda não tivessem agido, algum sofista da Sorbonne poderia replicar: “Deus previra o que eles poderiam fazer.” Tal objeção não possui força alguma à luz da natureza corrupta do homem, em quem nada pode ser visto senão matérias para a destruição.
Ao acrescentar: em Cristo, estamos diante da segunda confirmação da soberania da eleição. Porque, se somos eleitos em Cristo, tal fato se encontra fora de nós próprios. Isso não tem por base nosso merecimento, e, sim, porque nosso Pai celestial nos enxertou, através da bênção da adoção, no Corpo de Cristo. Em suma, o nome de Cristo inclui todo mérito, bem como tudo quanto os homens possuem de si próprios; pois quando o apóstolo diz que somos eleitos em Cristo, segue-se que em nós mesmos não existe dignidade alguma.
Para que pudéssemos ser santos. O apóstolo indica o propósito imediato, não, porém, o principal. Pois não existe qualquer absurdo em supor-se que uma coisa possua dois objetivos. O propósito em realizar uma construção é para que haja uma casa. Esse é o alvo imediato. Mas a conveniência de se habitar nela é o alvo último. Era necessário mencionar-se isso de passagem; pois Paulo de imediato menciona outro alvo – a glória de Deus. Todavia, não há nenhuma contradição aqui. A glória de Deus é a finalidade mais elevada, à qual a nossa santificação está subordinada.
Desse fato inferimos que a santidade, a inocência, e assim toda e qualquer virtude que porventura exista no homem, são frutos da eleição. E assim uma vez mais Paulo expressamente põe de lado toda e qualquer consideração de mérito [humano]. Se Deus houvera previsto em nós tudo o que porventura fosse digno de eleição, então se diria precisamente o contrário.
Pois a intenção de Paulo é que toda a nossa santidade e inocência de vida emanam da eleição divina. Como explicar, pois, que alguns homens são piedosos e vivem no temor do Senhor, enquanto que outros se entregam sem reservas a toda espécie de perversidade? Se Paulo merece credibilidade, a única razão é que os últimos conservam sua disposição natural, enquanto que os primeiros foram eleitos para a santidade. Certamente que a causa não segue o efeito, e portanto a eleição não depende da justiça que vem das obras, a qual Paulo declara aqui ser a causa.
Além do mais, nessa cláusula ele quis dizer que a eleição não abre as portas à licenciosidade, como que dando aos ímpios ocasião a que blasfemem e digam: “Vivamos da maneira que nos agrade, pois se já fomos eleitos, é impossível que venhamos a perecer.” O apóstolo está afirmando-lhes claramente que é uma atitude ímpia dissociar a santidade de vida da graça da eleição; porquanto Deus chama e justifica a todos aqueles a quem ele elegeu. É igualmente sem fundamento a inferência que os cataristas, os celestinos e os donatistas extraíram destas palavras, ou seja: que nos é impossível atingir a perfeição nesta vida. Esse é o alvo em direção ao qual devemos manter todo o curso de nossa vida; nunca, porém, o atingiremos até que nossa corrida haja terminado. Onde estão os homens que se espantam e evitam a doutrina da predestinação como sendo um confuso labirinto, que a reputam como sendo inútil e mesmo quase nociva? Nenhuma doutrina é mais útil e proveitosa quando utilizada de forma adequada e sóbria, ou seja, como Paulo o faz aqui, ao apresentar ele a consideração da infinita munificência de Deus e estimular-nos a render graças. Essa é a legítima fonte da qual devemos extrair nosso conhecimento da misericórdia divina. Se os homens usassem um outro argumento, a eleição fecharia sua boca, para que não se atrevam e não reivindiquem nada para si próprios. Lembremo-nos, porém, do propósito para o qual Paulo discute a predestinação, a fim de que, arrazoando com algum outro objetivo, não sigamos arriscadamente algum desvio.

Diante dele em amor. Santidade, aos olhos de Deus, tem a ver com uma consciência pura; pois Deus não é enganado, à semelhança dos homens, pela pretensão externa; ele, porém, olha para a fé, ou seja, para a veracidade do coração. Se você atribuir a Deus a palavra ‘amor’, então significa que a única razão pela qual ele nos elegeu foi o seu amor pela humanidade. Prefiro, porém, considerar o amor à luz da última parte do versículo, ou seja: que a perfeição dos crentes consiste no amor; não que Deus requeira somente amor, mas que ele é uma evidência do temor de Deus e da obediência a toda a lei.